Desde agosto de 1974, num lugar contíguo à Câmara Municipal, corta-se cabelo e faz-se a barba aos muitos homens abrantinos e da região. As mãos profissionais pertencem a Manuel Lopes Serras, que hoje tem 80 anos, mas continua a trabalhar.
Os métodos e os utensílios tradicionais continuam a ser a sua imagem de marca e os dias continuam a contar com alguns clientes fidelizados.
Mas nem sempre a vida de Manuel Serras foi dedicada à sua barbearia, muito aconteceu antes…
É natural de Seda, no Alentejo. Nasceu no seio de uma família com poucos recursos económicos e muito numerosa.
“Nasci em Seda porque a minha mãe era de lá, mas o meu pai é que era natural de Mouriscas, de modo que acabámos por vir todos para Mouriscas. Foi nas Mouriscas que fiz a escola e os primeiros trabalhos. O meu pai foi à procura de trabalho para Moçambique e deixou a minha mãe grávida, e com seis filhos. Como era o irmão mais velho, era eu que tinha a responsabilidade de ajudar no sustento da casa”, recorda.
“Naquele tempo é que a vida custava, hoje o pessoal novo não faz ideia do que é o racionamento. No tempo do Salazar era da seguinte forma: se trabalhavas comias, se não trabalhavas não comias. Nós queríamos pão e não havia. Com 9 anos, fui a pé de Mouriscas a Alvega, buscar 7 quilos de pão para toda a semana. Com 14 anos já trabalhava para ajudar a família e era chamado para fazer um pouco de tudo: para fazer uma capoeira, regar uma horta, tinha jeito para fazer um pouco de tudo, mas o dinheiro era escasso, regava uma horta pagavam-me com uma cesta de batatas e era assim”, conta.
Da primeira vez que vez que veio trabalhar para Abrantes foi para uma pensão e uma taberna, acabou por ficar durante um ano. Mais tarde, Manuel Serras acabou por ir para a ceifa para Elvas e foi lá que celebrou os seus17 anos.
“Dormi durante 38 dias no chão”
“Dormi durante 38 dias no chão, só tinha uma manta que servia para cobrir o chão e para me tapar… Quando regressei fui aprender a profissão de barbeiro nas Mouriscas. A minha família queria que fosse para Lisboa aprender a ser mecânico, mas eu sempre tive a tendência para a barbearia e assim foi, ingressei numa barbearia perto da minha porta, do senhor Afonso Filipe”, explica.
“Mais tarde, vim para Alferrarede para um cabeleiro, do senhor João Martins, fiquei durante nove anos, mas chateei-me porque até as gorjetas ele me roubava… Quando decidi abrir um espaço, tinha de juntar algum dinheiro, então regressei à cidade e fui embalsamar bichos para o Sr. Corvelo”, refere.
Quando chega ao espaço onde ainda hoje está, encontrou-o salitroso, já tinha sido uma leitaria e uma casa de frutas.
“A casa era muito salitrosa, tive de isolar o espaço todo. Está aqui muito trabalho, pois tive de adaptar e melhorar tudo. Comecei a pagar 240 escudos, todos pensavam que eu não era capaz, naquele tempo era muito dinheiro, mas calculei o trabalho e percebi que ia dar. E consegui! Também estava novo e trabalhava todo o dia”, recorda.
Em abril de 1974, iniciou as obras e depois abriu oficialmente em agosto do mesmo ano.
“Desde agosto de 74 nunca mais saí daqui, também o que é que eu vou fazer? Quando abri o espaço tinha muita gente, veio a clientela toda atrás de mim, estava sempre cheio. Hoje já não é bem assim, há dias em que não se faz quase nada”, lamenta.
“Trabalho sozinho. Já tive cá a aprender o meu filho e um outro rapaz que teve muito medo de utilizar as navalhas (risos). Vai aparecendo rapaziada nova, mas as cabeleireiras é que têm fama agora, apesar de surgir ainda muita barba para fazer e às vezes uns cortes da moda”, afirma.
“Eu gosto de fazer cortes atléticos, com diplomacia (risos). Faço cortes e a barba da forma antiga, como aprendi. Antigamente, haviam as navalhas de afiar, hoje já utilizo as lâminas, uma para cada cliente. Utilizo alguns utensílios antigos, o limpa navalhas que já não se fabrica. As cadeiras também são bastante antigas, trouxe da barbearia de Alferrarede e o negócio vai andando, uns dias melhores, outros piores”.
Com um horário das 9h00 às 19h00, Manuel Serras afirma que vai trabalhar até poder.
Joana Margarida Carvalho