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CRÓNICA: «A longevidade e os dias que vamos vivendo» por Luís Barbosa

26/10/2020 às 00:00
Luis Barbosa

SALPICOS DE CULTURA...

 

A longevidade e os dias que vamos vivendo”

Com o andar cos anos fui-me aproximando mais das pessoas idosas, e mesmo nos últimos anos tenho dedicado muito do meu tempo a trabalhar em instituições que lhes são destinadas. Já escrevi muitas das minhas ideias sobre questões que aos mesmos respeitam, e tenho deixado, aqui e ali, as convicções que vou formulando sobre a forma como as sociedades atuais vão lidando com o envelhecimento.

Há uns anos atrás, quando comecei este trabalho e a Gerontologia dava ainda os primeiros passos como ciência, lembro-me bem que a ideia era acomodar, o melhor possível, todo aquele que fosse considerado idoso e prestar-lhe os melhores cuidados básicos possíveis. Como cogumelos surgiram então instituições que procuravam satisfazer os desígnios anteriores, e as preocupações dos que ficavam à sua guarda preenchiam-se, em muito, apenas em torno da satisfação dos cuidados de higiene, alimentação e vida sossegada.

Foi grande o êxito do aparecimento da Gerontologia como ciência orientada para construir um novo olhar para a chamada terceira idade, e tem sido enorme o saber que se vai conquistando perante novas e diferentes formas de olhar o ser humano. As neurociências vieram também dar grandes contributos a estas novas visões, e hoje, independentemente do que se vai ouvindo e lendo sobre a institucionalização das pessoas mais idosas, a verdade é que o conhecimento científico em torno dos humanos em geral, e dos mais velhos em particular, é incomensuravelmente maior.

Certos conceitos foram sendo substituídos por outros, e até a maneira de entender o caminhar do homem pelo mundo foi mudando. Os velhos passaram a ser chamados de pessoas pertencentes à terceira idade. Depois, este chavão também caiu, porque quem tinha mais de sessenta e cinco anos passou a ser integrado na categoria de idosos, e hoje já não se emprega este termo porque na vez dele se diz que se pertence ao grupo das cabeças grisalhas.

Claro que percebo bem a razão porque tais mudanças de linguagem acontecem, e ao contrário de muitos que as pensam sinónimo de marginalização, eu entendo-as fruto, justamente, do avanço científico que, no que respeita às questões de melhor conhecer o que é a realidade da natureza humana, se vem, ela mesmo, interrogando sobre esta realidade. O facto é que face às descobertas mais recentes, puderam-se confirmar que as suspeitas em torno do saber pouco sobre o que é o homem é, de facto, uma realidade.

Atraso civilizacional, pode perguntar-se? Penso que não. A prová-lo está aí a abertura a novas formas de entender a idade de permanência dos seres humanos no universo por onde andam, e se dúvidas houvesse leia-se o que vem sendo escrito sobre o conceito de “longevidade”. Este termo é novo, e quem o quiser pesquisar na internet tem muito que ler. Eu escolhi um artigo que encontrei em apd.pt, postado em 14/06/2019 com o título “A longevidade e o desafio das sociedades do futuro”.

É um escrito simples, mas, a meu ver sugestivo. Dele ressalvo três ideias:

Não é improvável que os seres humanos ultrapassem os 120 anos no final do século XXI”.

Os portugueses vivem hoje, em média, quase 81 anos, o que nos coloca como um dos países com maior longevidade do mundo”.

Devemos impulsionar e promover estilos de vida que permitam manter uma vida saudável”,

A primeira consideração que me ocorre é a de que o que fica escrito contraria, em muito, o pessimismo com que não raro vejo e ouço tratadas as questões do aumento da chamada “idade média de vida”, que aqui ou ali, vou sentindo que é entendida por muitos como uma fatalidade. A segunda extraio-a da forma como vou sentindo que a questão embaraça governantes e governados, e a terceira tem a ver como considero que esta questão é, para muitas famílias, constrangimento de peso.

Não me custa aceitar que uns e outros se embaracem ao interrogar-se o que fazer quando, o tal velho, ou idoso, elemento pertencente à terceira idade, ou ao grupo da cabeça grisalha, como o queiram chamar, atinja idade avançada. Hoje vou percebendo e vendo como tal constitui fator de grande embaraço. Porém, não raro dou comigo a pensar que quando era criança, na minha família nortenha, tinha-se pelo avô grande respeito. Ele vivia em casa, rodeado de família, eu brincava com ele, ele andava comigo pela mão, gostava de me apresentar lá na aldeia como seu neto, e recordando-me agora, era homem bem idoso, deixou-nos já depois dos oitenta anos, tinha muito cabelo forte e bem branco.

O facto é que quando abordo este tema com outras pessoas vejo-as não raro perplexas e sem resposta para a questão de saber o que fazer a quem, em sua casa, vai aumentando a idade média de vida. Deixo de parte a reflexão em torno da estafada ideia que hoje vou ouvindo que o aquilo que importa é despejar um idoso numa instituição qualquer, e ir lá vê-lo de tempos a tempos, porque nos momentos anteriores formulo sempre a mesma interrogação: mas então o anseio do homem não foi sempre, viver o maior número de anos que pudesse, adquirindo o máximo de sabedoria que lhe estivesse à mão, e morrer acompanhado?

O texto que escolhi pode servir de base a reflexão mais consistente. Nele lê-se:

A esperança média de vida em Portugal vai ganhar dez anos até 2080, revelam projeções do Instituto Nacional de Estatística. Nas mulheres será acima de 92 anos e nos homens de 87”]…[ que vivamos mais e melhor é sem dúvida, uma boa notícia para as pessoas e para a humanidade, mas esse fenómeno incontrolável tem múltiplas implicações para as sociedades”]

Depois, mais à frente lê-se:

elas levantam enormes desafios económicos, financeiros e sociais que não podem ser ignorados ou negligenciados e, portanto, somos obrigados a pensar muito seriamente sobre eles, uma vez que isso vai mexer com o ciclo de vida das pessoas, com as políticas públicas, instituições e empresas, especialmente aquelas ligadas à vida e ao bem-estar dos idosos”]…[ Num ambiente no qual muitas vidas terminarão com 100 anos, será inevitável estruturar as suas fases de maneira diferente e precisaremos alterar muitas situações. Por exemplo, o marco social e laboral de 65 anos, que tradicionalmente marcou a passagem para a reforma e chamada “terceira idade”.

Ao ler as citações anteriores vêem-.me à mente dois fenómenos que vivo mais recentemente, a forma como muitos homens e mulheres da nossa sociedade se sentem empurrados para a reforma, e as reações que muitas destas pessoas experimentam ao sentirem-se ostracizadas, quando dentro delas as forças, e a vontade de viver, lhes dizem serem ainda bons recursos sociais.

De facto, o pensar nestas questões é algo de muito importante. Por mim fico por aqui.

Despeço-me com amizade,

Luís Barbosa*

*Investigador em psicologia e ciências da educação
SALPICOS DE CULTURA, uma parceria com a Associação Internacional de Estudos Sobre a Mente e o Pensamento (AIEMP)

 

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