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Gedão: CRÓNICA: «Gedeão e o momento atual», por Luís Barbosa

29/12/2020 às 08:45

SALPICOS DE CULTURA.....

Gedeão e o momento atual

Estamos no final de 2020. É verdade, e não menos verdade é que estamos num final de ano bem particular. Confinado várias vezes, por mor de uma pandemia que veio para causar danos trágicos e nos manter quietos, confesso que sinto o sabor amargo dos cortes de relação que me eram familiares. Vale-me minha mulher que é quem há muito me acompanha na caminhada, mas também o gato que anda cá pela casa, os cães que gostam mais dos espaços abertos e os arbustos, plantas, árvores, flores e frutos que me rodeiam.

Claro que parto do pressuposto que seja normal que não se ache estranho que foque as companhias anteriores como algo que possa ajudar-me a equilibrar a solidão que referi. Porém, facto é que esta coisa da Covid-19 até parece que me tem permitido dar mais atenção a coisas que ao longo da vida fui valorizando menos. Bem, reparei agora que até me esqueci de referir os passarinhos e aves que também me visitam. Não foi por mal, mas lá está, por ter sido nado e criado na cidade, os meus sentires orientaram-se sempre para outras particularidades.

Contudo, agora que os momentos de repouso têm sido maiores, até resolvi ensaiar um recurso que gosto muito de privilegiar, mas que, confesso, tenho deixado um pouco de lado. Falo aqui da leitura de poesia. É verdade, tenho lido bastante daquilo que poetas têm escrito, e reparo que de facto, é um bom exercício para a mente.

De resto este mais recente impulso foi até motivado por alguém que é bem conhecido no panorama musical português e que há alguns dias apareceu na televisão num não menos famoso programa de entretenimento, fazendo apelo ao público para que aproveitasse o tempo de confinamento para que se disponha mais a ler poesia. É que, segundo afirmou, a leitura deste género literário permite que nos tornemos mais humanos. O autor da expressão foi José Cid, que fez mesmo questão de dar voz cantando um poema de alguém que pouco conhecido no mundo das letras o terá sensibilizado particularmente.

Gostei do que ouvi, tanto da música como da letra cantada, e de então para cá tenho dedicado mais cuidado à leitura da poesia. Confesso mesmo que venho dando razão ao nosso cantor afamado já que, sem dúvida, é exercício que me tem ajudado a passar melhor o tempo de solidão a que tenho sido obrigado. Por companheiro escolhi um livro que já possuo há muito. Titulado, 800 Anos de Poesia Portuguesa, é uma antologia organizada por Orlando Ferreira e foi publicada em 1973 pelo Círculo de Leitores. São imensos os poetas e poemas que na obra se podem encontrar, mas veja-se bem que no meio de tantos textos um de António Gedeão saltou mais à mente. Porquê? Porque em momento anterior ao programa em que José Cid deixava palavras de esperança, houve alguém que expressou o seu desânimo, não só face ao momento que vamos vivendo, mas sobretudo tendo em conta que lhe era completa a ausência de esperança num 2021 menos duro, e até num mundo melhor.

Aqui não posso estar apenas com o cantor afamado, mas chamando para nossa companhia a Pedra Filosofal do nosso Gedeão, disse de mim para comigo que lembrá-la aqui e agora, neste final de 2020, pode ser um momento que espalhe a esperança enquanto algo que deve ser sempre a última coisa a morrer. Porquê? Porque é mesmo o poeta que diz:

Eles não sabem que o sonho

É uma constante da vida,

Tão concreta e definida

Como outra coisa qualquer,

Como esta pedra cinzenta

Em que me sento e descanso,

Como este ribeiro manso

Em serenos sobressaltos,

Como estes pinheiros altos

Que em verde e oiro se agitam,

Como estas aves que gritam

Em bebedeiras de azul.

Pois é, Gedeão até parece que estava a antever a necessidade de ter a esperança por companhia, e eu que agora vou ouvindo na televisão tanta coisa que deixa amargura, apetece-me mais aproveitar as palavras do poeta e deixar expresso a todos os mais sinceros votos que, o ano de 2021, seja bem diferente para melhor e que de facto, aqueles que parecem mais amargurados, sejam ajudados a pensar como o poema nos encaminha.

Despeço-me com amizade,

Luís Barbosa*

*Investigador em psicologia e ciências da educação
SALPICOS DE CULTURA, uma parceria com a Associação Internacional de Estudos Sobre a Mente e o Pensamento (AIEMP)

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