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CRÓNICA: «Pensar sobre o Covid e ao mesmo tempo pensar o «tempo»...por Luis Barbosa!

9/06/2020 às 00:00
Luis Barbosa

SALPICOS DE CULTURA:

Pensar sobre o COVID e ao mesmo tempo pensar o
“tempo”....

O momento que vamos vivendo é de facto muito particular. Sendo de sofrimento generalizado para a raça humana, é ao mesmo tempo muito particular para o Universo. No Universo apareceu uma “coisa” que não sendo um animal (a afirmação ouvimo-la a um cientista que na televisão fez questão de chamar bem a atenção dos telespetadores para o facto de não se pensar que o vírus é um animal), é de todo desconhecida para o homem. Quer isto dizer que agora, no nosso tempo, teve início algo que para a mente humana não existia, ou seja, uma “coisa” que apareceu do nada, enquanto que para essa mesma “coisa” o homem era de tal forma conhecido que escolheu, entre muitas espécies, a humana, para nela se instalar. Assim sendo, o primeiro apareceu ao homem sem tempo, já que o início da sua existência aconteceu mesmo agora e a partir do nada, mas o habitante que nele se instalou sabia, provavelmente há muito, que o seu recetor era matéria que tinha muito tempo de existência. Ditas as coisas desta maneira, até parece que o "Covid 19" e o homem, enquanto habitantes do mesmo Universo são matéria com tempos diferentes de aparecimento

Claro que a pandemia, e os seus efeitos, tem-me deixado apreensivo. Porém, como agora tenho mais tempo para me dedicar a pensar, venho procurando ocupar a mente com questões que me possam aligeirar a tensão provocada por um viver que me vem obrigando a inventar novas e diversas formas de ocupar o tempo. Como ando normalmente ligado às questões da Filosofia, uma dessas formas foi, justamente, voltar a pensar no que é a noção de tempo e a outra na problemática de saber como terá acontecido o início deste nosso universo.  Porém, não sendo cientista ligado às questões da ciência epidemiológica, venho procurando transformar a pandemia em algo que me permita voltar ao estudo de problemáticas que fizeram parte da minha formação académica. Uma delas não foi tanto saber como terá acontecido o nascimento do espaço cósmico onde me movo, mas mais refletir sobre a noção de "tempo". Ou seja, do tal tempo que acima foi referido. Lembro-me que aflorei esta questão quando, em 1994, defendi a tese de doutamente  em Letras e Ciências Humanas/Ciências da Educação, na Universidade francesa de Caen, e de ter defendido a ideia que a noção de "tempo" deveria ser objeto de reflexão, porque, na minha opinião, esta noção só existe por embaraço de construção lógica do raciocínio humano, já que não faz sentido dividir os acontecimentos em passados, presentes e futuros, porque o "tempo" é sempre presente. 

Bem, a discussão em torno da questão foi acesa, mas a convicção com que fiquei foi que o meu sentir tinha alguma razão de ser. Nunca deixei de defender a minha dama, até que, em 2011, ao ter acesso à obra de Stephen Hawking, titulada "Breve História do Tempo", editado pela Gradiva, senti-me mais acompanhado, não apenas porque tive oportunidade de ver que outros mais habilitados que eu também andavam às voltas com a mesma questão, ou seja, pensar que a noção de tempo tinha mesmo de ser objeto de reflexão da comunidade científica, mas também porque pensar o que pode ser o “tempo passado” e o “tempo futuro” acabava por ser questão em que outros também refletiam. A temática é abordada por Hawking logo a páginas 17, no capítulo 1 titulado "A nossa representação do universo", que divagando sobre a questão, chama à colação não apenas a maneira como os gregos antigos pensaram sobre o tema, como a forma que Kant utilizou para refletir sobre o mesmo, e até como Santo Agostinho o fez.  

Dos gregos diz que, passo a citar: "Aristóteles, bem como a maioria dos filósofos gregos, não se afeiçoaram à ideia da criação porque tinha demasiado sabor a intervenção divina. Acreditavam que a raça humana e o mundo à sua volta sempre tinham existido e existiriam para sempre". Por outro lado, diz que Kant baseia os seus argumentos na suposição não expressa de que "o tempo continua a andar indefinidamente para trás, quer o universo tenha ou não existido sempre", e aproveita para dizer que o conceito de tempo não tem qualquer significado antes do começo do universo. Na mesma página diz ainda que também Santo Agostinho se referiu ao tempo dizendo que "o tempo é uma propriedade do universo que Deus criou e que não existia antes do começo do universo". Então veja-se bem, sendo tanto os gregos antigos como Kant ou Santo Agostinho pertencentes à mesma raça a que nós homens atuais pertencemos já pensaram, em tempos diferentes, ideias diversas sobre o mesmo conceito. Então nós formulamos o seguinte raciocínio: se o "tempo" não existia antes do universo ser criado, se o homem foi criado por Deus, e se foi Deus quem criou o homem, então se este mesmo homem não pode aceder ao conceito de tempo porque ele também foi criado por Deus, de facto não faz sentido pensar num tempo passado, presente ou futuro, dado que o tempo mais não é que uma grandeza contínua, no âmbito da qual para qualquer homem tudo se passa na realidade, só, e apenas, quando o próprio homem é ator desse algo que acontece, ou seja, num momento que é sempre presente. A formulação é não só consequência da forma como eu vivo neste momento o tempo presente, mas também de me dar a pensar que para o tal vírus, nunca terá existido tempo passado já que só agora ele se manifestou, sem que da sua aproximação tivéssemos dado conta e sem que saibamos como pode o mesmo continuar a manifestar-se. Porém uma coisa parece certa, o que esperamos é que o "tempo" de existência da virose vá andando para trás até que desapareça, seja qual for a forma da sua manifestação.

Por hoje fico por aqui, despedindo-me com cordialidade,

Luís Barbosa*

*Investigador em psicologia e ciências da educação
SALPICOS DE CULTURA, uma parceria com a Associação Internacional de Estudos Sobre a Mente e o Pensamento (AIEMP)

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