A Art’Abrantes levou duas dúzias de artesãs à Covilhã. Para além do convívio entre associados, a associação proporcionou três visitas a três projetos diferentes. Uma forma de abrir portas à inovação, reinvenção ou formas de promoção e comercialização dos produtos. Afinal o artesanato pode mesmo ser uma atividade económica e ser um modo de vida.

Texto e fotos: Jerónimo Belo Jorge
O artesanato está a ganhar, novamente, nova vida. Mas vida diferente do que tem acontecido. Nos anos 80 do século passado, proliferaram pelo país feiras e eventos de artesanato. Era uma descoberta de quem tinha jeito para as artes manuais, sempre mais ligadas às tradições.
Mudam-se os tempos e também este sector teve evolução, havendo novas ofertas e novos artesãos a dedicar-se a outros produtos feitos manualmente, em concorrência, muitas vezes, com uma panóplia de objetos feitos lá para os lados do oriente.
Ora, 2025 teve em Abrantes o nascimento de uma associação de artesãos. Não de todas a gente que pode ter uma qualquer jeito especial para fazer peças manualmente. É uma associação para aqueles que têm carta de artesão, que, oficialmente, podem ser reconhecidos como tal. E não, não têm de ter como atividade principal o artesanato. Têm é de ter esta certificação, porque a mesma só é atribuída aqueles que efetivamente fazem peças que são consideradas artesanato.
Dando um exemplo, uma pessoa que vá ali a uma loja de produtos chineses comprar uma centena de bolinhas e um fio e depois em casa alinha as bolinhas e faz uma pulseira não é considerado artesanato. Mas se comprar matéria-prima, fizer as bolinhas ou as peças e depois criar as pulseiras já pode ser.
É neste sentido que a associação Arte’Abrantes tem vindo a desenvolver uma série de ações junto dos seus associados. E uma destas ações foi o primeiro encontro de artesãos. Um encontro que não teve uma palestra, foi antes uma deslocação à Covilhã para conhecer três projetos distintos e, com isto, proporcionar aos associados outros olhares com uma pitada de inovação. Afinal de contas o artesanato e as peças artesanais podem ser reinventadas ou até adaptadas.
Cristina Reis, presidente da Art’Abrantes, explicou que o objetivo era também valorizar o artesanato no sentido mais prático e que os artesãos pudessem vir conhecer coisas diferentes. “Que pudessem enriquecê-los de alguma forma e tirar algum partido para eles mesmos e para os trabalhos.”
A “Tentadora”

A primeira paragem fio na “Tentadora”, uma antiga mercearia no centro histórico da Covilhã. Um arquiteto e uma técnica de museus agarraram numa mercearia e mantiveram toda a estrutura da loja, armários, registadora, balança e nalgumas prateleiras as garrafas ou embalagens de produtos que qualquer pessoa com mais de 40 anos tem memória.
Ao lado colocaram produtos atuais, selecionados, e muito artesanato da região da Covilhã. Uma loja destinada a turistas, a quem procura história e identidades territoriais.
Cristina Reis explica que olhando para este exemplo os artesãos de Abrantes “também podem fazer estas parcerias. Criámos também ligação, os artesãos ficaram com esse contacto e podem entrar mostrar o que fazem. Pode ser uma boa ponte também para o lançamento das suas próprias lojas. Podem ver que realmente é possível viver do artesanato.”
Já Susana Gonçalves, também dirigente da Art’Abrantes, acrescenta que é “um espaço multifacetado onde existe coworking, onde existem workshops, onde existem exposições, onde existe venda de produtos de artesanato, onde foi possível os nossos artesãos contactarem com o artesanato a nível nacional e com marcas muito importantes. “
A “Tentadora” inaugurou no dia 25 de dezembro, ou seja, dia de Natal, de 1935. Este ano, a loja original, faz 90 anos. Portanto, “já é um tempinho”, dizem os responsáveis que acrescentam estar a tratar do selo “loja com história.”
Oportunidade para as artesãs de Abrantes perceberem como funciona o mercado de venda, encomendas, margens e preços, envios e por aí fora.
Uma drogaria com 75 anos... mas moderna

Outro ponto de visita foi à “Drogaria Moderna”, uma outra loja no centro histórico da Covilhã. Fez recentemente 75 anos, foi considerada a primeira loja histórica da Covilhã.
E, um simpático João, acolhe os visitantes e explica que entre fechar o espaço e abrir horizontes preferiu a segunda opção.
Entre os produtos de drogaria atuais, mantém as marcas antigas e que ainda estão em muitas memórias. Marcas que não se encontram em hipermercados ou centros comerciais. A opção foi simples, abrir uma loja online e dedicar-se ao digital, mantendo o balcão tradicional. E no digital não foi apenas promover ou divulgar, foi mesmo avançar para loja online.
Mesmo assim, mostra com orgulho, um livrinho já com capas gastas onde estão todas as “receitas” para misturas de produtos que antes da década de 60 do século passado faziam destas lojas um ponto de alquimia. Hoje, é diferente. A própria Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), bloqueia este trabalho “manual”.
Mesmo assim, são lojas onde ainda é possível encontrar alguns produtos avulso que são necessários para certos trabalhos artesanais.
E o João atira “quem trabalha com madeiras tem muita coisa para acabamento das peças. Goma laca, a cera de abelha, o óleo mineral, o óleo de linhaça, que só por si em composto pode obter produtos para acabamento, para tratamento de madeiras, de exterior e interior.”
Uma fábrica de lanifícios transformada em centro de artes

O New Hand Lab é, afirma Susana Gonçalves, um projeto muito interessante e muito diferenciador na cidade da Covilhã. Era uma antiga fábrica de lanifícios, cujos proprietários tiveram a ousadia de reconverter num projeto muito interessante de design. Chamaram artistas e recorrendo a produtos antigos que eram utilizados na sua fábrica abriram portas a um centro arte moderna contemporânea.
A fábrica fechou, fruto dos tempos, mas o edifício e alguma maquinaria ficou. Entre o deixar entrar em ruínas e o edifício “implodir” por via do tempo, a sua transformação num centro de arte, permitiu perceber como a inovação pode permitir a reinvenção de algo.
Neste espaço de visita, foram feitas perguntas, tiradas fotografias, quer às peças de arte, com lanifícios, ou ao reaproveitamento dos espaços, sempre com as explicações de como foi efetuada a mudança estratégica.
Entre o convívio e a “formação”

Este encontro teve dois objetivos, para a direção da Art’brantes, mas pode ir mais longe, dependendo dos objetivos de cada artesã.
Cristina Reis revelou o propósito da visita: “levar os artesãos para fora, pelo menos uma vez por ano. Levar a várias cidades a nível nacional (quem sabe a nível internacional), mas acho que neste primeiro impacto será mesmo a nível nacional para também percebermos que de facto Portugal tem tanto para nos oferecer e que cá dentro nós temos coisas incríveis.”
Já Susana Gonçalves clarifica que “às vezes é preciso olharmos para fora para conseguirmos perceber aquilo que está próximo de nós e aquilo que está em nós. E só olhando para fora é que nós conseguimos fazer também diferente, não fazer mais igual àquilo que já foi feito.”
E Cristina Reis dá o exemplo da visita à “Tentadora”. A Art’Abrantes vai ter um espaço no mercado diário de Abrantes, para ateliers, venda de produtos ou organização de workshop’s. Deverá abrir no início do próximo ano. “O grande objetivo era percebermos como é que conseguimos preparar o espaço que está para acontecer.”
Artesãs gostaram “beberam” ideias para os seus produtos

As artesãs presentes na viagem representam as associadas da Art’Abrantes e com trabalho nas mais variadas artes manuais. Cada uma tirou do encontro ideias ou vontades de acordo com a sua atividade.
Carla Pinheiro, do “Atelier dos Sonhos” trabalha em macramé, ou seja, técnica feita com nós, em vez de tecelagem ou tricotado. Afirma ter ficado surpresa. “Não vinha com expectativa, vinha numa de brincadeira até, de visita de estudo e de confraternizar. Mas a visita foi muito importante porque me abriu horizontes e fez-me ter a certeza de que é este o caminho que eu quero seguir. Há muita coisa para fazer e um bom caminho para seguir.”
Nestas coisas do artesanato há muito a ideia do artesão vender nas feiras, nos mercadinhos, mas há a possibilidade de parcerias e criar outros pontos de venda. E Carla Pinheiro diz ter ficado focada nestas possibilidades “em lojas e mesmo a nível digital. Viu-se isso através da drogaria, com mais de 75 anos, que faz vendas online."
Giovanna Almanza é colombiana e faz colares tradicionais. Mas nem sempre foi assim. “Tive que estudar psicologia, mas a bijuteria, comecei a fazê-la como um passatempo. E ainda é mais ou menos um passatempo.”
Giovanna trabalha com resina epóxica, um material sintético formado pela mistura de resina e endurecedor, e cria os elementos para os seus colares tradicionais numa pequena oficina. Esta artesã aposta na bijuteria com seda, missangas, pedras naturais e outra bijuteria também em micromacramé combinada com pedras naturais. Tudo com as cores vivas tradicionais do sul da América.
Giovanna Almanza diz ainda levar novas ideias para as suas peças e, acima de tudo, a vontade de não querer esta atividade apenas como passatempo, mas sim para dedicar a mostrar o meu trabalho em outros lugares.
Já Laurinda Oliveira, Constância, está a chegar à Art’Abrantes. É professora de artes, mas afirma que esta “mudança” ou entrada no artesanato é a contribuição para “nos valorizarmos a nós como povo.” A artesã revela que achou ser agora a altura de começar a fazer peças, a entrar no mundo do artesanato. “Achei que era a altura agora, porque me identifico, gosto de fazer esse trabalho. Faço vários trabalhos, mas aquele que eu às vezes pego num bocado de fio e começo logo a... entrelaçar. É um bocadinho por aí, é o que dá prazer.”
Sobre a visita afirma ter aberto mais horizontes. “Por vezes cada pessoa entende à sua maneira a exposição que vai ver, mas acaba por dar outras ideias por nos sentirmos conectados com aquilo que estamos a ver.”
Laurinda Oliveira, revela numa frase o dia 15 de novembro de 2025 como um dia de descobertas.