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Luís Barbosa: OPINIÃO: «A familiaridade nutre confiança», por Luís Barbosa

7/06/2021 às 08:52

SALPICOS DE CULTURA….

“A familiaridade nutre confiança”

Confesso que no momento atual, perante os acontecimentos que vejo repetidamente transmitidos pela televisão, fico por vezes pensativo. Vejo programas que me distraem, é um facto, mas as guerras, as lutas fratricidas, os encontros que se transformam em discordantes relações, os crimes e os tão correntes confrontos entre grupos de cidadãos, agora tão em moda, e pelas mais diferentes razões, fazem-me ser homem de dúvidas e cautelas.

Quando estou mais a sós com os meus botões, não deixo até de pensar que este meu sentir, sendo possivelmente motivado por uma certa descrença que me vai roendo, deve ser contrariado, e como prefiro ser otimista acabo quase sempre procurando que a acalmia me invada, dizendo para mim mesmo que as coisas menos boas da vida hão de ter melhorias.

Quando assim é fico mais tranquilo. Porém, agora que já tomei a segunda dose da vacina contra o “Covid-19”,vou-me atrevendo a procurar ir ao café, e embora tomando todas as precauções que me são aconselhadas, lá tento meter conversa rápida com um ou outro amigo.

Ora foi justamente numa dessas conversas que fiquei duplamente a pensar nas questões anteriores. Como já não nos encontrávamos há muito, aproveitámos para rapidamente saber como estavam os nossos estados de alma. Não foi difícil encontrar sintonia entre aquilo que cada um pensava, e após termos falado de nós e da família, veio à colação expressarmos ideias sobre as coisas do Mundo, e em particular da sociedade onde estamos a viver.  Porém, passados os momentos de transmitirmos o que nos vai agradando, lá surgiu na ribalta, quase em fim de conversa, um enunciado de factos menos agradáveis.

O que aqui tenho para relevar é que no final achámos ambos que estávamos a precisar de arejar a mente, porquê? Porque feitas as contas apercebemo-nos que quase tínhamos tornado inevitável que a despedida fosse timbrada pela tristeza.

Felizmente que tanto eu como o meu amigo demos conta da mesma constatação. De tal maneira que acabámos dando o mútuo conselho que o melhor era ter pensamento positivo. Esta expressão foi dita pelo meu amigo, que em jeito de remate resolveu até acrescentar que “o que lá vai, lá vai, e o amanhã a Deus pertence”.

Despedimo-nos com um toque de cotovelos. Contudo, já a sós, dei comigo a pensar que pese embora o meu amigo tenha expressado palavras de confiança, quando o olhei senti nos seus olhos uma certa melancolia. Lembrei-me então que mesmo a despedir-se, e quando me tocou no cotovelo, expressou com serenidade um último sentimento para dizer “sabes, meu amigo, a vida é mesmo assim”, tendo-o feito até com uma atitude de resignação.

Ora, o que me tem deixado a pensar mais fundo neste encontro é que, ao fim e ao cabo, a expressão do meu amigo foi dita quando desabafava estar a sentir-se muito só e a perder a confiança no percurso que entende que o homem está a fazer, achando até que os laços de amizade e solidariedade são cada vez mais fracos. Lembro-me que nessa altura, aproveitou a conversa para deixar referido que já não vê os netos há um ano, que os filhos estão ausentes, e que mesmo os vizinhos se foram embora.

Chegado a casa, resolvi voltar alerum livro que gosto de folhear quando certos aspetos da vida me tocam de forma particular. O título da obra é “O Animal Social”, o seu autor é David Brooks, e a publicação foi feita em Portugal pela D. Quixote. O autor aproveita uma parte do livro para apresentar dados de um estudo contido numa outra obra chamada “Psicologia do Amor” escrita por Helen Fisher, tecendo considerações sobre a familiaridade e a confiança.

David Brooks começa por referir, na página 32 da obra que publicou, que no estudo anterior é dito que “há indícios de que as pessoas tendem a escolher parceiros com narizes de tamanho idêntico ao seu e uma distância entre os olhos semelhante à sua”, e mais à frente, na mesma página afirma o que passo a citar:

“Um dos corolários deste padrão é que as pessoas tendem, sem o saber, a escolher parceiros que viveram perto de si pelo menos durante parte das suas vidas. Um estudo realizado durante os anos 1950 conclui que 54 porcento dos casais que requerem licenças de casamento em Columbus, no estado de Ohio, viviam num espaço de 16 quarteirões quando começaram a namorar, e 37 por cento viviam num espaço de cinco. Na Universidade, a probabilidade de alguém sair com uma pessoa de um dormitório situado na mesma ala ou corpo do edifício é maior. A familiaridade nutre confiança.

Bem, confesso que aquela coisa de os narizes e da distância entre os olhos influenciaras nossas escolhas é questão cuja discussão deixo para quem saiba, já quanto aceitar que a familiaridade nutre confiança, é algo que de fato posso afirmar como um sentir que eu próprioexperimentei, e tenho como um facto verdadeiro.

Despeço-me com amizade,

Luís Barbosa*

*Investigador em psicologia e ciências da educação
SALPICOS DE CULTURA, uma parceria com a Associação Internacional de Estudos Sobre a Mente e o Pensamento (AIEMP)

 

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