Alberto Pedro Lopes, 62 anos, nasceu no concelho de Mação, mais propriamente na aldeia da Serra. Em tenra idade veio viver para Abrantes. Hoje é um empresário de sucesso na área da hotelaria, restauração e não só.
O Alberto é o proprietário do restaurante Santa Isabel, avançou depois para o alojamento local, a Uber, os transferes e prepara-se para concluir um outro projeto, uma quinta com alojamento e outras possibilidades.
Entrevista por Jerónimo Belo Jorge
Vamos começar e pela infância. O Alberto nasce em Mação, mas vem ainda criança para Abrantes?
Sim, num pequeno lugar no concelho de Mação que se chama Serra, próximo da Aboboreira e Penhascoso. Vim para Abrantes com quatro anos. Vim para a escola primária, para a “Universidade dos Quinchosos”, como se dizia antigamente, e por cá fiquei até hoje.
Fazes a tua vida toda em Abrantes e depois há ali uma altura que resolves abrir um negócio. Começas precisamente com uma pequenina pastelaria ao fundo ou à entrada da Rua de Santa Isabel?
A minha aventura não começou na restauração especificamente e por conta própria. Começou aí sim! mas a influência vem da influência e o gosto pelo negócio. Vem do tempo em que a minha mãe tinha um lugar de frutas na praça, no antigo Mercado Diário, e eu ao fim de semana, sexta e sábado de manhã, sempre que tinha disponibilidade adorava ir para lá ajudar a minha mãe. Depois, alo próximo havia ali o café “Combinado” e que o dono, o Sr. Elísio, convidou-me para fazer ali umas horas à noite. Estava no 10.º ano. Por aí já comecei a pensar um bocado em abrir mais as asas. Houve uma altura que ele me propôs eu ficar com aquilo e ficar a explorar por conta própria. Ainda muito jovem, tinha 20 ou 21 anos, e assumi aquilo.
Mais tarde pôs-se a hipótese de eu poder comprar a pastelaria “Matinal” que era esse espaço nas escadinhas da Rua Santa Isabel, ao lado do Pimpolho. E foi um sucesso tremendo, porque todas as pessoas trabalhavam no centro histórico, bancários, companhias de seguros e comércio tornaram-se clientes.
Na altura não havia tantos espaços abertos no centro da cidade como há agora. As pessoas vinham ali tomar um galão, comer uma torrada, comer um... na altura que apareceram os rolinhos de queijo e fiambre.
Falamos no pequeno-almoço e não só, porque depois à hora de almoço acrescentou-se uma sopa para juntar aos salgadinhos?
Na altura isso até nem existia muito aí na cidade, ou não existia sequer. Tirando as pastelarias que havia no centro da cidade, não havia mais nenhuma casa que se servisse assim. Decidimos começar a ter sopa todos os dias, também era uma tacinha de sopa com um croquete e um cafezinho, uma água e as pessoas faziam a refeição. Acabava por haver ali uma sequência de movimento que começava às sete e meia da manhã.
Depois acrescentou-se uma espécie de esplanada, com duas mesas em cima de uma plataforma e madeira?
As pessoas iam lá e muitas vezes as pessoas chegavam à porta, o espaço estava cheio e nós não podíamos receber mais ninguém. Então pedimos licenciamento para fazer ali uma esplanadazinha.

É aí que começa a nascer a ideia de criar um restaurante?
Não. À medida que o tempo foi passando, ia tentando ajustar a minha ambição em função daquilo que eu percebia do potencial que havia. E com a introdução da sopa percebi haver ali um potencial enorme de servir mais qualquer coisa, porque os clientes estavam ali. Pensei ser capaz de fazer sentido abrir um snack bar, uma casa de refeições rápidas e económicas. Mas onde? Depois comecei a olhar para o espaço. Era uma coisa que eu vinha a ser ali perto também, porque depois a minha esposa tinha que ficar num lado e eu ficar no outro, estarmos ali perto um do outro também. Tive a sorte de aparecer uma casa à venda...
... De habitação?
Sim. Consegui comprar o prédio logo com a ideia de instalar ali o tal snack bar. E recordo-me que Tinha já um ponto de grande divulgação na pastelaria que o “Alberto devia abrir um espaço e não sei o quê.” No primeiro dia foi logo uma enchente tremenda. Recordo-me que nem tinha testado muito bem os equipamentos e aquilo no primeiro dia havia coisas que não funcionavam, aquilo foi logo um stress. Um stress para além da minha pouca experiência na área de servir refeições. Foi este de facto o arranque do restaurante. E mantive a pastelaria aberta.
E começas com as refeições rápidas, nada de cozinha típica?
Na altura não, era mesmo só para fazer o complemento à “Matinal”. Depois surgiu ali um episódio que foi o meu ponto de viragem para aquilo que a casa trilhou a seguir. Na altura o presidente da Câmara, Nelson de Carvalho, e a Região de Turismo dos Templários, presidida por Francelina Chambel, organizou o primeiro Festival de Gastronomia da região de turismo dos Templários nos pavilhões do NERSANT, em Torres Novas. Presidente Nelson convidou-me para ir representar o Concelho de Abrantes nesse festival de gastronomia. Era tudo muito básico, mas era cozinha feita com amor, com coração, cozinha de conforto. Na atribuição dos prémios, nós ganhámos o primeiro prémio. E recordo-me que foi com um prato de nabos com feijão-frade (como se fazia antigamente aqui nas aldeias da região) e acompanhava com uma coisa que ninguém ainda, porque era novidade em Portugal, achigã. E quem nos entregou o prémio foi presidente do júri, que era o Zé Quitério, a grande referência dos críticos de gastronomia em Portugal, escrevia no Expresso. Eu subo ao palco e ele, ao entregar-me o prémio disse-me assim: “como é que é possível você, com este tipo de comida chamar-se snack. Com uma casa destas, você mude a designação para restaurante, faça mais comidas destas.” Quando ele me diz isso, pensei, “isto é capaz de fazer sentido.”
Com o Presidente da República foi fantástico. Ele ficou com o meu telefone na mão (...) e atendeu uma chamada. Era um cliente a fazer uma reserva e foi ele que atendeu...
Mas é aí que decides ir para a comida mais típica, é nessa altura de mudança de nome e desta estratégia e deste pensar mais à frente que começas a pensar naquilo que é o Santa Isabel?
Uma foi o prémio (...), mas depois houve outra, que foi uma formação promovida pela Associação Comercial, o “Dinamizar”. Eu pensava assim: “não posso vender as coisas muito caras porque depois não há clientes para consumirem”. E eles (formadores) diziam-me: “tens de vender as coisas mais caras, mas comprar melhores produtos. Porque se tu tiveres mais qualidade, as pessoas vêm, podem não vir tantas vezes, mas vêm e dizem bem.” Este foi o caminho, obviamente associado a uma política de divulgação, de comunicação. Há ali um trabalho todo de retaguarda, feito por pessoas competentes, e foi isso que nos fez entrar depois mais tarde no Guia Michelin.
E aí começas a ir buscar os acompanhamentos e os pratos mais típicos?
Também potenciar um bocado o facto de Abrantes, como toda a gente sabe, é o último concelho da província do Ribatejo, que faz fronteira com a Beira Baixa e que faz fronteira com o Alentejo. Mistura-se tudo aqui. Porco preto na telha, migas de espargos, migas da alheira, migas de feijão com couve, esparregado de espinafres, o arroz malandrinho de feijão com os filetes de polvo que é o nosso grande ex-libris.
Tens a noção também de que, para lá da comida, o Alberto também acrescenta aqui um valor diferente ao restaurante?
É uma marca muito forte. Tenho consciência disso, porque primeiro faço aquilo que gosto. Sou feliz todos os dias a fazer este trabalho. Há dias eu estava a falar com uma pessoa que eu estimo muito (António Zambujo), e estava a dizer-lhe, “porquê é que tu estás sempre a dizer que o meu restaurante é um dos melhores do mundo?” Ele, quando atuou aqui em Abrantes, disse que os abrantinos tinham a sorte de ter um dos três melhores restaurantes de Portugal, em Abrantes. Ele diz-me assim, “tu és tonto? Não percebes que a tua presença, (a forma como tu lidas com as pessoas, valoriza muito tudo aquilo que lá está.
E como recordas a noite em que o Presidente Marcelo veio jantar ao Santa Isabel?
A presença do Sr. Presidente da República, foi dos quatro ou cinco grandes momentos que eu tive no restaurante. E há uma coisa muito gira, das mais giras que tive. Com o Sr. Presidente da República foi fantástico, porque ele ficou com o meu telefone na mão para falar com uma pessoa amiga. Deixei lá o telefone e vim para o rés do chão, porque o restaurante estava cheio. Quando voltei à sala do primeiro andar, passados uns 15 minutos, o Sr. Presidente da República dizia-me “oh colega, chega aqui ao pé de mim, amanhã, tens uma reserva para duas pessoas”. Eu perguntei, mas como Sr. Presidente?” E ele respondeu: “então o telefone ficou aqui e atendi e era uma reserva.”
Entretanto, o negócio deixou de ser apenas restauração e entras na hotelaria, com o alojamento local, que, atualmente, já tem alguma dimensão?
Sim, e ocupa mais tempo porque são vários os espaços. Sim, tem alguma dimensão. Tem muito a ver com o crescimento dos meus filhos. Na altura tinha o restaurante solidificado, a vida tranquila, e surgiu a hipótese de comprar dois apartamentos no centro da cidade. A minha filha trabalhava num hotel em Lisboa, era diretora de eventos num hotel no Parque das Nações, disse-me que podíamos abrir aí um alojamento local.
Ainda antes do boom?
Sim. Comprei e remodelei os apartamentos e meti-os no alojamento local, nas plataformas. Eu não percebia nada daquilo, na Booking, no Airbnb. Mas a minha filha insistiu “vamos embora para a frente.” Portanto, basicamente foi ela que me montou aquele negócio. Os alojamentos locais têm um problema difícil, que é a questão das limpezas. Não podemos ter uma empregada a tempo inteiro, porque a dimensão é pequena, mas temos de ter alguém que tenha a disponibilidade, sempre que precisamos.
A partir do momento em que se ganha a dimensão, depois ganha-se a escala e cria-se uma estrutura própria, que é a que eu tenho nesta altura, para que o negócio esteja autónomo e ande só por ele. Começou muito bem, sempre a trabalhar bem, sempre cheio, depois abrimos mais um, depois abrimos mais outro, depois abrimos em Constância, Depois abrimos mais três.
“O marido queria ir ao restaurante do Alberto e a mulher ao Santa Isabel!”
Quantos AL são nesta altura?
Sete ou oito por aí. Já têm a tal escala. E também fomos crescendo à medida que o mercado foi pedindo. Felizmente Abrantes tem crescido muito. Para além do turismo ter crescido muito, Abrantes tem um tecido empresarial fantástico. Abrantes permite ocupar, de segunda a sexta-feira com o turismo corporate, o turismo empresarial, e ao fim de semana para os turistas. Tive quatro jamaicanos, dois casais, que vivem em Londres que vieram a Abrantes para comprar cá uma casa. No restaurante tenho muitas noites que quase não se fala português.
É o olho para o negócio que depois abriu a perspetiva da Uber?
A Uber foram também os meus filhos que puxaram por mim.
Mas, porque não havia?
Não havia, não. Não havia nenhum carro de Uber em Abrantes quando eu comecei e foi difícil porque poucas pessoas, tirando o pessoal mais novo que andava a estar na universidade em Lisboa, aquelas pessoas que vão com mais regularidade aos grandes centros, é que tinham a aplicação. E no início os taxistas não lidaram muito bem com o aparecimento da Uber. Tive algumas chatices com alguns. Isto dá para todos, não vale a pena andar com truques e encostar carros à porta e coisas do género. Começámos com um carro, depois dois, depois três, com um motorista, com dois, com três, com quatro, com cinco, com seis. E neste momento vamos iniciar uma parceria, vamos ter um carro em Lisboa com uma pessoa que é da Abrantes, que se integrou na nossa frota, com a viatura dele.
É um negócio que não é de grandes margens que tem que ser gerido com muita minúcia, com muito olho em cima para as coisas funcionarem.
Voltamos aqui à escala?
Sim. Se eu tiver 15 ou 20 ou 30 carros, dá uma outra margem de manobra do que ter só 2 ou 3.
Entretanto, na área dos automóveis há um outro negócio que foi mais recente, os transferes. O que é isto?
Quando começámos com a Uber, essa ideia já estava presente, porque a ideia da Uber também era poder financiar um investimento num negócio de crescimento mais lento. É o transportar as pessoas, através de marcação, de um local para o outro. Nós temos parcerias, nós já trabalhamos com as maiores empresas de Abrantes nos transportes. Por exemplo, Vale Ferreiros, área do turismo equestre. Eles recebem muitos estrangeiros, muitos nórdicos. As pessoas chegam ao aeroporto a Lisboa e precisam de ser transportadas para Abrantes. E daí nós termos também uma carrinha de nove lugares, de chassi longo, porque eles, por exemplo, vêm sempre com malas grandes por causa das botas de montar e outros acessórios. Há que adaptar, tem que ser tudo adaptado.
Como é a gestão dos vários ramos?
A minha filha faz uma gestão dos carros e o meu filho faz a gestão das casas. Ambos fizeram formação em turismo. Quando nós partimos para este negócio, da Uber, foi um bocado já com o olho no negócio dos transferes, porque não há nenhuma empresa aqui com carrinhas de nove lugares.
Mas o restaurante continua a servir o arroz malandrinho de feijão com os filetes de polvo...
Continua, sim. Felizmente tenho dois filhos competentes, que me libertam muito. Estou ali há 32 anos, tenho 62, estou lá eu e está a minha mulher, eu não quero andar com ela a ganhar dinheiro e depois levá-lo para a farmácia a seguir. Portanto, tenho a consciência de que um dia destes vou ter que cortar o cordão umbilical com o restaurante. Honestamente, como fui eu que o abri gostava de ser eu a fechá-lo. Era uma forma também boa de perpetuar o nome do Restaurante Santa Isabel.
Mas é a marca? O Alberto e o Santa Isabel são a mesma coisa?
Acho que se confundem. Já assisti uma vez uma coisa muito gira: uma discussão, à porta, que está sempre fechada, entre marido e mulher. O marido queria ir ao restaurante do Alberto e a mulher ao Santa Isabel. Então saí e disse “sou o Alberto e podem entrar no Santa Isabel.”
“como fui eu que o abri gostava de ser eu a fechá-lo [restaurante Santa Isabel]”
Antes de começarmos esta entrevista ficámos a saber que há uma nova paixão?
Nunca foi segredo para ninguém, não fiz segredo que conseguimos adquirir um espaço com 15 hectares, aqui no Conselho da Abrandes, onde estamos a entrar numa outra, nos alojamentos também, mas numa vertente um pouco diferente.
Dos 15 hectares, para 9,5 fiz um contrato de exploração com uma empresa de madeiras.
E nos restantes 5 hectares e meio?
Vedei com cercas de dois metros de altura e, cerca de três ha, fizemos um abrigo para animais e vamos ter lá garranos, gamos, um pónei, umas ovelhas, umas cabras. A quinta tem uma tem casa, vai ter um T2 e vai ter um bungalow. Permitirá albergar dois casais que tenham filhos e quererem fazer um fim de semana. Os meninos podem dormir na casa ao lado dos pais. Depois também tem um lago que foi feito de raiz com 180 metros quadrados, tem uma piscina, 10 por 5 metros, e tem uma zona de contemplação onde vamos instalar uma pérgola com uma mesa para cerca de 30 pessoas. Acrescentámos uma copa para diversificar mais a oferta. Imagina uma empresa que queira alugar espaço para qualquer um evento particular, privado. As pessoas podem estar a jantar e a dez metros andarem ali, os cavalos a correr. Acho que há ali uma interligação com a natureza.
Quinta pedagógica ou mais um alojamento rural?
A Quinta Pedagógica entende-se mais como uma quinta que as crianças possam visitar e interagir com os animais. Até pode acontecer e se calhar até pode partir de nós a iniciativa de convidar algumas escolas a irem lá, a passarem lá um bocado. Isso era o que eu gostava que aquilo fosse, de facto. Mas não, acho que é arrojado demais.