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Entrevista JA: “A confiança tem vindo a crescer relativamente à nossa capacidade de resposta” - coronel Estevão da Silva

10/07/2023 às 11:18

É comandante do RAME – Regimento de Apoio Militar de Emergência, sediado em Abrantes, desde dezembro de 2021. Com as temperaturas altas e com a maior parte do território a debater-se com problemas de seca, antevê-se um verão duro. O coronel Joaquim José Estevão da Silva falou ao Jornal de Abrantes sobre a época de incêndios e outras operações em que o RAME está envolvido.

Por Patrícia Seixas

 

Partilha da preocupação demonstrada pela Proteção Civil de que “temos à frente uma campanha que é capaz de não se afigurar fácil” e que o verão se adivinha “com um potencial de risco elevado”?

Penso que as preocupações, ciclicamente, são sempre as mesmas todos os anos. De facto, a preocupação prende-se com a frequência com que os incêndios têm vindo a acontecer e com as condições climatéricas que não têm ajudado muito a que essa preocupação fosse menor. No entanto, essa preocupação centra-se, principalmente, na nossa confiança – maior ou menor, mas que neste caso tem vindo a crescer – relativamente à nossa capacidade de resposta. E essa é uma preocupação que eu tenho permanente, a de conseguir, com a prontidão desejada, empenhar os recursos que tenho disponíveis. De facto, como tem acontecido todos os anos e este ano não vai ser exceção, o Exército tem mais uma panóplia de meios disponíveis para o apoio – que é o que nos diferencia um pouco mais das restantes entidades, nomeadamente da ANEPC (Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil) – porque só mediante o pedido da ANEPC é que nós fazemos essa intervenção. Estamos permanentemente, e desde o dia 1 de junho, atentos à situação, neste caso mais em termos meteorológicos porque, face ao histórico que temos, é sempre uma forma de nos anteciparmos e não sermos surpreendidos com uma necessidade de ativar recursos. Contudo, essas preocupações vão sendo cada vez menores, contrariamente àquilo que é a nossa capacidade de antecipar, ou seja, é inversamente proporcional. Desde o dia 1 de janeiro, e no passado dia 7 de junho apresentámos aqui na Unidade, no auditório e na parada, o dispositivo que o Exército tem pronto, este ano, a esta situação de incêndios rurais que nos afeta todos os anos.

 

E de que meios é que o Exército dispõe?

Falamos de meios que nós entendemos que são específicos para o apoio ao combate dos incêndios que é, no âmbito da prevenção, um determinado número de patrulhas de vigilância e deteção que se distribuem por três áreas essenciais. A primeira é a do apoio militar de emergência, mas temos mais duas vertentes (eu chamo duas, apesar de ser só uma), que é a vertente da prevenção no âmbito dos protocolos que celebramos, quer com municípios – e este ano temos 10 municípios com os quais protocolámos, na respetiva área, um apoio à vigilância e deteção, no âmbito da prevenção –, quer o protocolo que temos, e que envolve mais meios, que é com o ICNF – Instituto da Conservação da Natureza e Florestas. Ainda que não esteja protocolado oficialmente, o nosso contributo e o nosso esforço já está alocado a essa necessidade. No apoio ao combate, em coordenação ou sub-coordenação mais próxima da Guarda Nacional Republicana na vigilância e deteção, e depois, quando os incêndios acontecem, há o apoio necessário aos operacionais no terreno. Os nossos bombeiros estão no teatro de operações para combater o incêndio e todo o sistema de sustentação dessa atividade, normalmente, não é o bombeiro que a faz. É a autarquia ou a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil e, para essa necessidade, nós contribuímos com a nossa capacidade de confeção e distribuição de alimentação, com a capacidade de alojamento e de energia, se assim for necessário. Temos também pronta a nossa capacidade de recolha e captação de água à superfície, com as nossas bombas de água, e o transporte para a fazer chegar onde é necessária. Estes são os meios mais visíveis e mais prontos, exclusivos para este apoio militar de emergência. Depois, o Exército tem uma boa característica que é a distribuição pelo território. Localmente, cada uma das Unidades, estabelecimentos ou órgãos, têm toda uma capacidade de alojamento, se houver necessidade de evacuação de pessoas, de aldeias ou outros lugares, que poderão ser um apoio mais próximo. O Exército, relativamente aos outros dois ramos, tem, de facto, esta grande vantagem. Para além de que os meios de apoio militar de emergência fazem parte de um sistema integrado, inclusivamente a busca e salvamento. Está disponível, apesar de não se tornar tão provável que venha a ser empenhado. Basicamente, são estes os recursos que temos disponíveis nesta fase.

 

Este ano, para além das ocorrências mais ou menos habituais, há um grande evento no país que é a Jornada Mundial da Juventude. Também aí o RAME está empenhado?

Como não poderia deixar de ser. Ainda há pouco tempo efetuámos um reconhecimento num colégio em Lisboa, que vai alojar durante dois fins de semana cerca de três mil jovens. As capacidades do edifício não o suportam. Muito provavelmente, vamos projetar - pelo menos assim manifestámos a nossa disponibilidade - o apoio em banhos e latrinas móveis, no nosso sistema de apoio militar de emergência. Isto está previsto e pesámos todos estes compromissos. Falei destes em particular porque são os que nos tocam mais - a Jornada Mundial da Juventude e os incêndios -, mas nós também temos os compromissos internacionais. Temos forças na Roménia, na República Centro Africana, na cooperação no domínio da defesa. Tudo isso é uma grande matriz que tem que ser devidamente sincronizada. Felizmente, naquilo que me toca e naquilo que é possível preparar, conseguimos, até à data e vamos consegui-lo de certeza, dar resposta àquilo que a Jornada Mundial da Juventude vai exigir, porque está sob uma grande carga de coordenação e vai dar os seus bons frutos de certeza. Exemplo desses meios que temos disponíveis foram os meios concentrados aqui no dia 7 de junho e que nos deixou de alguma forma, não digo descansados, mas confiantes de que, caso aconteçam estas situações em simultâneo, vamos ter capacidade de responder.

 

Mesmo aqui no concelho de Abrantes, visto a Diocese estar envolvida neste processo da JMJ...

Esses acontecimentos que vão ocorrer por quase todo o país, porque a Jornada não é só em Lisboa - há uma série de atividades que vão acontecer, não em simultâneo mas antes e talvez até após essa época da Jornada - vão exigir recursos. No entanto, para um efeito de uma resposta mais cabal, as Forças Armadas estão a centralizar todos esses pedidos, ou seja, mesmo os pedidos no âmbito do apoio local, que poderia ser efetuado, estão a ser canalizados para um órgão central que se encarrega depois de solicitar às Forças Armadas que, obviamente, não nos vão manter na retaguarda se houver necessidade de intervirmos. Mas todo esse esforço está a ser coordenado de forma centralizada para não haver falhas.

 

À semelhança de outros setores, também o Exército está com problemas de recrutamento?

O efetivo que estamos a incorporar é menor do que era no passado. O sistema de recrutamento está a funcionar em pleno. Resta que as pessoas de que precisamos tenham motivação, vontade e de se reverem naquilo que é o serviço militar como sendo uma satisfação. E é aí que a sociedade, e as Forças Armadas não são exceção, tem tido dificuldade em recrutar. Como é que conseguimos aliviar essas dificuldades? Internamente, conseguirmos fazer as mesmas coisas de forma diferente, sem descurar a segurança, principalmente, e não dar responsabilidades a pessoas que não têm a competência para as mesmas. Essa é a primeira gestão interna. Depois, os muitos ou poucos que conseguirmos recrutar, conseguirmos reter. Essa retenção é que, penso, acaba por ser mais difícil. Quer queiramos, quer não, a nossa juventude vem com ideias pré-concebidas sobre tudo. E às vezes as perceções não são corretas. Resta-nos a nós mostrar-lhes. Por isso é que a primeira grande conversa que os cidadãos recrutas têm quando entram aqui, é comigo. E a mensagem que lhes transmitimos é que, eles, para tomarem a melhor decisão, têm que recolher a melhor informação possível. Até eu, como comandante, se tomar uma decisão baseada em informação que não seja a mais correta, essa decisão vai-se tornar em três problemas no dia de amanhã. E isso, hoje em dia, não é fácil. Os acontecimentos ocorrem com uma frequência muito maior do que antigamente. E eu continuo a necessitar, para uma operação militar, de duas horas de planeamento para analisar toda a informação. Se o tiver que fazer em meia hora, consigo fazer uma avaliação mas, muito provavelmente, essa avaliação não vai estar tão completa. Depois, há que assumir riscos. Está tudo previsto. Se tiver tempo, assumo menos riscos, mas se não tiver, e se os considere, preparo-me para os ultrapassar e para os assumir. O nosso papel é gerir os poucos recursos que há, que é mais difícil do que gerir muitos recursos mas, acima de tudo, cumprir com aquilo que é esperado de nós, quer no apoio militar de emergência, quer nas expetativas. Ainda sobre o recrutamento, há toda uma sociedade que aspira a uma maior qualidade de vida. E essa qualidade de vida, queiramos ou não, reside naquilo que é o vencimento, apesar de não ser só isso. E toda a gente sabe que estamos numa sociedade que não é das mais bem remuneradas em termos europeus. Mas isto são situações que temos que enfrentar, como todos os cidadãos, e não nos compete a nós, instituição militar, resolvê-lo ou combatê-lo. Temos que o assumir e tentar fazer o que temos que fazer, da forma que nos é possível.

 

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