O filósofo e ensaísta José Gil alertou, em Abrantes, na abertura do Festival de Filosofia da Cidade, para o poder “hipnótico” da palavra e para a sua capacidade de capturar massas, um fenómeno que considera estar na origem de algumas das maiores ameaças às democracias contemporâneas.
Este evento começou com ações nas escolas, com a realização de assembleias da palavra e, às 17 horas, coube ao presidente da Câmara de Abrantes, Manuel Jorge Valamatos fazer a abertura formal desta 8,ª edição de um Festival que foi lançado por Alves Jana, Nelson Carvalho e Mário Pissarra, na altura, os líderes do Clube de Filosofia de Abrantes.
Manuel Jorge Valamatos, presidente CM Abrantes

O autarca evocou José-Alberto Marques, quando deixou aos presentes na Biblioteca de Abrantes a citação “uma cidade, se não tiver acontecimentos pequenos não é grande.”
Por outro lado fez questão de destacar a importância da palavra, da conversa, num tempo difícil em que o populismo parece ser a forma mais rápida de espalhar palavras.
“Num tempo em que o populismo se apresenta como defensor da razão e explora medos, ressentimentos e ódios, o poder das palavras torna-se ainda mais decisivo”, acrescentou.
À Antena Livre o vereador com o pelouro da Cultura, Luís Dias, destacou a importância de debater o poder da palavra nos nossos dias, numa ação que começou precisamente com os mais novos, com os alunos.
Hoje em dia é, cada vez mais importante, destacar a necessidade de pensar, de usar a palavra para combater os perigos e ameaças das redes sociais.
Luís Dias, vereador CM Abrantes

Na conferência inaugural da 8.ª edição do Festival de Filosofia de Abrantes, dedicada ao tema “O poder da palavra: pensar, agir, transformar”, o pensador sublinhou que não é a lógica nem o conteúdo racional dos discursos que mais influenciam o debate público, mas a “força irracional e contagiante” da própria enunciação, intensificada nos ambientes políticos e mediáticos atuais.
José Gil, considerado um dos mais influentes filósofos portugueses contemporâneos — ensaísta, professor jubilado e autor de obras como Portugal, Hoje ou Acentos — foi o orador principal e homenageado desta edição, que decorre até sábado em Abrantes, no distrito de Santarém, num programa que inclui conferências, debates, oficinas e atividades para escolas.
“A palavra age antes de significar. Atua no corpo, produz efeitos de adesão, de repulsa, de encantamento. No espaço público, vemos palavras que se tornam ações, que mobilizam e dividem, que criam mundos”, afirmou José Gil na sua intervenção, de cerca de 30 minutos, perante uma centena de pessoas.
“É esta capacidade hipnótica da palavra que pode destruir a democracia se não formos capazes de a pensar criticamente”, declarou.
O filósofo alertou ainda para o papel das redes sociais como “máquinas de amplificação” que alteraram profundamente o poder da palavra no século XXI.
“O líder já não é apenas aquele que fala num púlpito. São milhões de utilizadores que, ao repetirem discursos de sedução, de ódio ou de medo, tornam a hipnose constante”, afirmou.
Para José Gil, o ambiente digital “fragiliza a democracia” ao criar “bolhas de adesão instantânea” onde o contraditório desaparece.
Em declarações à Lusa, reforçou a ideia de que a democracia só se sustenta “se a palavra recuperar o seu espaço de pensamento, debate e responsabilidade”.
“O que está em causa não é apenas o conteúdo, mas a energia que circula nas palavras. Sem educação crítica, essa energia pode ser devastadora”, disse.
José Gil, filósofo

As conferências e debates, com entrada livre, decorrem na Biblioteca Municipal António Botto.
O festival encerra este sábado, 22 de novembro, às 21:30, com o espetáculo “Mulheres Poema”, interpretado por Maria Caetano Villalobos e acompanhada por Rute Rocha Ferreira.
C/Lusa
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