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Opinião: Ano de 2016 em balanço

29/12/2016 às 00:00

Se 2016, em Abrantes, foi o ano do centenário da sua elevação a cidade e as comemorações assumiram o papel mais importante naquilo que vai ficar na memória da sua população, 2017 será o ano das eleições autárquicas e, embora parecendo que aparentemente não haja muita correlação entre estes dois eventos, talvez possa haver muito mais continuidades do que as que se vislumbram num primeiro olhar.

Mas é claro que 2016 não pode ser reduzido só ao ano do centenário e às respectivas comemorações, porque cada vez mais neste início do séc. XXI os acontecimentos locais estão em sintonia com a realidade do país em que vivemos e a realidade deste, por sua vez, está dependente da nossa pertença ao espaço da união europeia e esta acabar por estar dependente da realidade do mundo tal como ele se apresenta hoje, isto é, com múltiplas preocupações e bem poucas esperanças.

Mas o nosso foco neste momento tem mesmo de começar pelas comemorações do centenário da elevação de Abrantes a cidade e para dizer, num balanço muito sintético, que elas corresponderam ao que seria desejável para dar a este evento a dignidade necessária de uma comemoração que esteve num plano que só pode ser comparável ao das comemorações dos 50 anos da elevação a cidade, em 1966, embora com uma feição muito mais popular e democrática do que aquela: com efeito, se em 1966, a pompa e a circunstância imperaram num cenário de exaltação nacionalista e colonialista do Estado Novo salazarista, em 2016, num Portugal democrático onde os cidadãos são “os que mais ordenam”, estas comemorações teriam de ter (e tiveram) um cunho muito mais popular e muito menos elitista, sem deixar de ter ao mesmo tempo um conjunto de realizações simbólicas que ficarão a marcar este centenário.

Estruturalmente, o ano das comemorações correspondeu a um calendário que tinha por modelo as actividades e os eventos que periodicamente vão sendo aqui realizados ao longo do ano, mas com um claro reforço das manifestações culturais, particularmente no domínio das exposições e da vertente cultural e artística, com particular destaque para a área musical, isto é, mais dirigido para um público principalmente jovem. Por outro lado, no domínio dos actos cerimoniais simbólicos, a presença do presidente da República, a condecoração das entidades e personalidades, a escultura de Charters de Almeida evocativa do centenário serão os eventos que perdurarão na memória dos abrantinos desta geração e dos vindouros, assim como os textos que já se escreveram e vão continuar a escrever sobre estas comemorações.

Talvez o domínio que tenha sido menos explorado (e que creio que possa ter deixado em algumas pessoas algum desapontamento) foi o da falta de uma discussão mais aprofundada acerca do futuro da cidade e do concelho de Abrantes, sabendo-se a perda de influência e de valências que ultimamente tem tido esta cidade do interior, no domínio do aproveitamento das suas acessibilidades e localização militar estratégica, na saúde e na justiça, nas carências de investimento e na falta de emprego, enquanto que o problema do envelhecimento da população e da desertificação nas freguesias rurais do norte e do sul do concelho é já uma realidade mais do que preocupante. O evento onde se pretendeu discutir estas questões, não só teve uma fraca presença de público, como não conduziu a mais do que ao enunciado de uma série de generalidades e constatações, na minha opinião.

Estes temas saltarão certamente para 2017, com o aproximar das eleições autárquicas. Contudo, alguns dos acontecimentos que aqui ocorreram neste ano que agora acaba, merecem também algum registo, independentemente de poderem voltar a vir à discussão em 2017: refiro-me às questões ambientais - particularmente no que diz respeito ao rio Tejo - e aos projectos existentes no domínio das candidaturas à comparticipação dos fundos europeus no quadro do horizonte até 2020.

A situação actual do rio que justificou ao longo dos séculos e dos milénios a fixação de populações nesta urbe, hoje cidade centenária, a morada das ninfas que Camões denominou e invocou – as Tágides – foi várias vezes notícia neste ano que acabou e, praticamente, quase sempre pelas piores razões: o movimento PROTEJO começou 2016 a lançar uma petição contra a poluição do rio e dos seus afluentes, em Fevereiro o Ministério do Ambiente anunciou a criação de uma comissão de acompanhamento sobre a poluição do rio, nos primeiros dias de Abril a Comissão Parlamentar do Ambiente visitou demoradamente o percurso entre Vila Velha de Ródão e Vila Franca de Xira, em Maio a Quercus denuncia descargas ilegais contínuas de uma empresa situada no concelho de Abrantes no solo e no meio hídrico junto ao rio e em Novembro aparece o relatório da comissão criada em Fevereiro que aponta as seguintes causas para a poluição do Tejo – tratamento insuficiente das águas residuais, poluição da agricultura e da pecuária, falta de aplicação dos regimes de caudais ecológicos, monitorização e fiscalização insuficiente e zonas contaminadas por extracção mineira e pela extracção de inertes (existem 18 locais de extracção de areias, nos cerca de 100 km de rio entre Abrantes e Vila Franca de Xira).

Num horizonte ainda recente no tempo veio também à discussão a possibilidade da Espanha fazer mais dois transvases nas águas do Tejo (para além dos dois já existentes) e a existência um movimento de luta pelo encerramento definitivo da central nuclear de Almaraz, situada junto à fronteira, cujo prazo de validade já terminou, mas que continua em laboração. É evidente que, pelo menos para já, esteja a aumentar o conhecimento desta situação e a exigência crescente de que se não pode perder mais tempo sem acudir a esta situação de um modo eficaz. Basta comparar o pouco que se faz em relação ao Tejo com aquilo que se tem feito no Douro, embora o perfil dos rios seja diferente.

No mês de Março, a presidente da CMA, Maria do Céu Albuquerque, apresentou o Plano Estratégico do Desenvolvimento Urbano de Abrantes, destinado a apresentar as candidaturas até 2020 aos fundos comunitários, no âmbito da componente da regeneração urbana, com particular incidência no centro histórico de Abrantes, dividido em duas fases. Na primeira fase, envolvendo cerca de 6 milhões de euros, estão as obras de requalificação do Convento de S. Domingos, para receber o MIAA (cuja adjudicação da obra já ocorreu em Junho passado, com custos estimados ligeiramente acima dos 3 milhões de euros) e de recuperação do Edifício Carneiro (para acolher o próximo futuro museu Charters de Almeida). Na segunda, prevê-se intervenções na Igreja de S. João, Cine-Teatro S. Pedro, Jardim do Castelo, Vale da Fontinha e Vale de Rãs.

Na história dos 40 anos de Poder Local democrático, que também se comemoraram em 2016 (embora de modo menos visível) depois do período de supressão das mais gritantes carências locais no domínio das infra-estruturas básicas, que foi até 1994, aqui em Abrantes, começou depois o tempo da construção de equipamentos sociais e do investimento na cidade e, particularmente, no centro histórico de Abrantes, situação que continua a ser predominante aqui e agora.

Não tenho espaço para fazer uma discussão, neste artigo que está a chegar ao fim, sobre a questão das prioridades da cidade e do concelho e das políticas que estão a ser aqui seguidas, bem como da sua dimensão e sustentabilidade, mas aguardo por um ano de 2017 em que, dentro ou fora das eleições autárquicas, haja discussão, participação e uma maior intervenção da opinião pública e dos cidadãos nestas problemáticas.

Não deixa de ser curioso que há 50 anos atrás a recuperação do Convento de S. Domingos e o seu aproveitamento como espaço fulcral para a realização de eventos culturais tenha sido, a par do monumento a Nun´Alvares Pereira, no Outeiro de S. Pedro, o legado principal dessas comemorações. Também nestas celebrações dos 100 anos, o mesmo convento volta a ser o epicentro das polémicas, a par das preocupações com o rio Tejo e com a colina do castelo, já que o que ficará mais visível com a passagem do tempo será, sem dúvidas, as duas esculturas de Charters de Almeida.

Inauguração da escultura que assinala o centenário, da autoria de Charters de Almeida

Rolando F. Silva

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