Uma dezena de utentes esperava hoje às 08:00, debaixo de temperaturas negativas, que o Centro de Saúde de Sardoal abrisse para tentar marcar uma consulta, situação que revoltou o presidente da autarquia que considerou a situação de “terceiro-mundista”.
Em declarações à agência Lusa, o presidente do município de Sardoal, Miguel Borges (PSD), disse que o que viu cerca das 08:00, quando se dirigia para a câmara, “foi terceiro-mundista e indigno do século XXI”.
“Revoltou-me ver hoje, e não é a primeira vez, cerca de uma dezena de cidadãos, na sua maioria idosos, na rua, com temperaturas de três graus negativos, à espera que o centro de saúde abrisse para tentar conseguir uma consulta médica. Não é admissível e fiz sentir isso mesmo à diretora do ACES Médio Tejo na mesma hora”, frisou.
O município de Sardoal, com quatro mil habitantes, é um dos 13 concelhos na região do Médio Tejo, distrito de Santarém, com maior número de utentes “a descoberto” pela falta de médicos de família, (2053 utentes) só suplantado por Abrantes (11.500), Ourém (7.000) e Torres Novas (5.300), segundo avançou à Lusa a diretora executiva do Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) do Médio Tejo.
Segundo Sofia Theriaga, no ACES Médio Tejo, “à data atual, estão ao serviço 119 médicos sendo que, para dar cobertura total com médico de família a todos os utentes dos 13 municípios, serão necessários mais 16 médicos”.
Questionada sobre os utentes de Sardoal que esperavam na rua debaixo de temperaturas negativas pela possibilidade de conseguirem uma consulta extraordinária, a responsável apontou como possíveis motivos a greve de hoje dos trabalhadores da saúde e questões culturais.
“A greve de hoje pode ter influência nesse caso e há também hábitos que são difíceis de ultrapassar porque, muitas vezes, não é necessário as pessoas irem de madrugada para os centros de saúde à espera de uma vaga. As vagas podem ser conseguidas ao longo dia”, afirmou.
A captação e fixação de médicos na região do Médio Tejo tem sido o principal problema na gestão de Sofia Theriaga, numa questão que “não é exclusiva desta região”.
Lembrado que “um novo grupo de médicos vai ter exame em abril”, a responsável disse “esperar que, em agosto, o ACES do Médio Tejo possa ser reforçado com mais médicos”, sendo que o caso de Sardoal será gerido “em função do número de vagas disponíveis”.
O autarca de Sardoal disse à Lusa “não se conformar” e “não conseguir entender como é que um país, após investir muitos milhares de euros na formação de médicos, permite que, no dia seguinte à conclusão do seu curso, possam exercer a sua profissão exclusivamente no privado e possam rumar a um qualquer país estrangeiro sem retribuir minimamente o investimento que o país neles fez”.
Miguel Borges disse que a situação é “vergonhosa e inadmissível”, tendo lembrado um editorial dirigido à população no boletim municipal onde “aponta soluções para um ‘cavalo de batalha’ de há seis anos”.
Naquele ‘manifesto’, o autarca afirma “não conseguir entender porque é que não existe um sistema de colocação de médicos, em tudo idêntico ao dos professores, que os coloca onde as necessidades existem e não onde querem”.
“Não consigo entender, mais uma vez, porque é que o corporativismo fala mais alto que a razão”, criticou o autarca.
Lusa