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Atualizada: Faleceu Eurico Heitor Consciência

20/04/2016 às 00:00

Faleceu nesta manhã de quarta-feira, Eurico Heitor Consciência, aos 79 anos de idade. O advogado estava por Abrantes há cerca de 52 anos.

Segundo fonte próxima de Eurico Consciência, terá sido um ataque cardíaco que pôs termo à vida do advogado. As cerimónias fúnebres acontecem esta quinta-feira, às 14h00, na Igreja da Ressurreição de Alvide - Cascais.

Eurico Consciência nasceu em Meda (Guarda) em 1936. Estudou no Porto e depois formou-se em Direito em Coimbra (1959). Regressou à sua terra onde casou e foi notário e advogado, sub-delegado procurador da República e depois presidente de Câmara até se fixar em Abrantes em 1964, como notário. Em 1970 passa a exercer advocacia aqui e depois também em Lisboa) e mantém múltiplas intervenções na sociedade local e regional.

Fundador do PS de Abrantes e depois candidato a presidente da Câmara pelos GDUP.

Membro da direção da ARA, do Sporting Clube de Abrantes, do Cine Clube de Abrantes.

Colaborador dos jornais Correio de Abrantes, de que foi diretor antes do 25 de Abril, do Jornal de Abrantes, do Primeira Linha, d’ O Ribatejo e do Expresso.

Professor de Direito Comercial e Economia Política na E.I.C.A. e de Introdução ao Direito na Universidade Internacional (Abrantes).

Publicou vários livros de Direito, sobretudo na área do Direito dos Seguros e um livro de recolha de crónicas.

 

 

 

Entrevista publicada na edição de novembro de 2014 do Jornal de Abrantes

Eurico Consciência chegou a Abrantes há 50 anos

 

“É uma sorte, a de poder ajudar as pessoas”

 Fez 78 anos em finais de outubro, mantém-se em atividade e foi homenageado a 18 de outubro pelo Conselho Distrital da Ordem dos Advogados como “advogado de referência” e “homem de convicções”.

 

Que quer isso dizer?

Hoje há demasiados “profissionais” de advocacia, cerca de 30.000 no ativo. A Áustria, com a mesma população, tem 6.000. Isso agravou a luta dos advogados pela vida e levou a uma degradação da profissão em termos da responsabilidade deontológica. À medida que vamos envelhecendo, vamos percebendo que quanto mais sabemos mais ignoramos. Mas, em termos deontológicos, há mais de 50 anos como advogado, nós pensávamo-nos como uma elite, no ainda hoje desejável bom sentido, um escol de pessoas com um grande sentido de responsabilidade e obrigadas a corresponder ao que a comunidade esperava delas. Hoje, infelizmente, não é assim de todo, o que não quer dizer que não haja excelentes Advogados (com A grande).

 

Quais são as suas convicções?

Em primeiro lugar, a lealdade: os homens devem ser leais, não devem ser hipócritas, traidores, não devem passar rasteiras. E em Abrantes há muitos rasteirantes. E o sentido de responsabilidade. São, para mim, os valores fundamentais. E depois a tolerância.

 

Foi presidente da Câmara antes do 25 de Abril.

O meu sogro, homem de boa memória, era o cacique local em Meda e por isso convidaram-me para presidente da Câmara. Disse que aceitava se pudesse dizer na posse que “não tenho nada que ver com este regime e tomo posse como administrador da minha terra deixando as funções políticas para o meu sogro”. O governador civil falou com o ministro, Santos Júnior, e eu tomei posse. Mas dei-me muito mal, não com os ministros, mas com o governador civil. E passados três meses pedi a demissão. Não fui autorizado a demitir-me e abandonei o cargo. Acabei por retomar funções e concorri para notário em Abrantes, para terem de me deixar sair.

 

Como era Abrantes quando chegou, em 1964?

Era um cartório muito requestado, pois ganhava-se bem: com os emolumentos, mais do dobro do juiz da comarca. Eu vim para regressar a Meda ao fim de um ano. Mas gostei muito de Abrantes. Era uma cidade pequena, mas tinha um equipamento urbano notável: hospital, casa de saúde, colégios masculino e feminino, escola comercial e industrial, e tinha outras escolas secundárias (Alvega, Tramagal e Mouriscas). Eu tinha já dois filhos e outro para nascer. Decidimos ficar por aqui, “não vamos outra vez para o deserto”, porque lá em cima era mesmo um deserto, sem hospital, sem escolas… Fomos ficando. E como eu sou um lírico, adorei a paisagem, a orografia de Abrantes. E quando ia fazer 33 anos, deixei o notariado e retomei a advocacia, em 1970. Depois ainda deslocámos a família para Oeiras, pelo que abri escritório em Lisboa, que mantenho.

 

E Abrantes, hoje…

Tem perdido, é uma terra em declínio. Tem a ver também com as pessoas que estão nos lugares de que depende o desenvolvimento ou retrocesso de uma comunidade. Fizeram-se coisas bonitas, mas perderam-se de vista as coisas realmente importantes para o desenvolvimento. Abrantes chegou a ter mais de 50.000 habitantes e hoje não chega a 40.000. E não é um problema de interioridade, que é relativa, a um quarto de hora do eixo Lisboa-Porto. Por exemplo, Castelo Branco nunca perdeu população, com uma interioridade muito maior.

 

Como advogado, qual é a sua actividade dominante, a sua especialidade?

Costumam dizer de mim “especialista em seguros e acidentes de viação” [área em que tem vários livros publicados, vários com reedição]. Hoje há muito menos acidentes que há 20 anos, por causa das auto-estradas, os automóveis são muito mais seguros e sobretudo porque desapareceram as motorizadas. Eu fiz centenas, se não milhares, de julgamentos de acidentes de viação. E mais tarde fui advogado de várias companhias de seguros. Conheço o problema de um lado e do outro.

 

Com 78 anos, ainda exerce. Não pensou reformar-se?

Se eu me mantiver fisicamente mais 15 anos, são 15 anos mais que eu advogarei. Não haja dúvida. Alguém já disse que não há profissão mais nobre que a de advogado. É uma sorte, a de poder ajudar as pessoas. É isso que eu sinto.

 

Tem sido o homem das mil e umas intervenções. Por exemplo na ARA – Associação de Desenvolvimento da Região de Abrantes. O que era?

Em 1966 comemorou-se o cinquentenário de Abrantes cidade e eu fui participando. O Dr. João Salgueiro era Sub-Secretário de Estado do Planeamento e Vítor Constâncio era diretor do Secretariado Técnico da Presidência do Conselho, então uma instituição magnífica que atraía as melhores cabeças que saiam das faculdades. A ARA foi criada como estrutura regional de suporte de uma plano de desenvolvimento regional. Aqui era a cobaia e depois seria para estender a todo o país. Eu era o secretário geral. Prepararam-se as condições para a criação do chamado Triângulo Abrantes-Tomar-Torres Novas, pensando numa cidade com cerca de 200.000 habitantes. Havia uma comissão com duas pessoas de Abrantes, duas de Tomar e duas de Torres Novas. A coisa estava a andar muito bem, mas a certa altura, por razões políticas, locais, houve querelas pessoais… (ri-se) “aquele tipo está a subir mais que eu”… E a coisa rebentou numa reunião no Hotel, eu saí porta fora.

 Como era a Oposição ao regime, em Abrantes?

O chefe da Oposição era o Dr. Semedo, uma jóia de homem. Era uma terra de “brandos costumes”: a Situação e a Oposição confraternizavam. Havia eleições, lá ia o Dr. Semedo e o Dr. Orlando Pereira, e o Manuel Dias, que é tão cioso da sua contribuição… Arranjavam uma sessão de propaganda da Oposição. Depois do 25 de Abril viu-se que a mulher do Dr. Orlando era do Partido Comunista.

Alves Jana

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