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Bombeiros Voluntários de Constância à beira da insolvência. Câmara reage à acusação de falta de apoio

13/02/2019 às 00:00

São 390 mil euros de dívida do Serviço Nacional de Saúde que estão a deixar a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Constância à beira da insolvência.

Aos ordenados em atraso, junta-se a falta de combustíveis para ter os veículos a circular. Há situações sociais a agravarem-se e o comandante e tesoureiro da corporação, Adelino Gomes, volta a assumir que há bombeiros a passar fome. No entanto, garante que, para já, o socorro não está comprometido. O mesmo poderá não se passar em caso de incêndio.

Em concreto, os Bombeiros de Constância têm atraso o “13º mês e os ordenados de dezembro e de janeiro”. Adelino Gomes salienta que o ambiente que se vive na corporação “é de muita dificuldade”.

“A situação pessoal dos trabalhadores é a que mais me preocupa, porque em termos sociais não é nada fácil. Os ordenados não são grandes. Os elementos não têm grandes reservas para suportar uma situação destas e com os dois ordenados em falta e 100 euros dados por cada um, retirados em dezembro, para distribuir por todos, a situação é mesmo complicada”, referiu.

O responsável conta que os Bombeiros “estavam a fazer conta com o 13º mês, sendo uma altura em que fazem alguns investimentos para a família. Em dezembro, ficaram logo com algumas dificuldades na expetativa que, em janeiro, pudessem recuperar. Faltando novamente o ordenado, é evidente que a situação social é grave”.

Adelino Gomes confirma que alguns Bombeiros já estão “a passar fome” e que apesar da solidariedade existente no seio da corporação, “muitos elementos estão a passar muitas dificuldades, com filhos e sem dinheiro para lhes dar. A situação não está fácil até que não venha o dinheiro dos hospitais”.

Segundo o comandante, o Serviço Nacional de Saúde é o principal devedor. Entre a vasta lista encontram-se os hospitais de Coimbra, de Santarém, quase todos os de Lisboa e o Centro Hospitalar do Médio Tejo. A dívida ronda 390 mil euros.

“O IPO [de Lisboa] deve-nos 76 mil euros e a resposta que obtive foi que não pagavam nada a Constância este mês pois tinham outros mais atrasados”, lamentou, referindo que apesar das dificuldades existentes “o socorro não está comprometido”.

“A área do socorro não está comprometida para as viaturas de socorro. Contudo, não posso dizer o mesmo para as viaturas de incêndio. Se tivermos aqui um incêndio maior, vamos ter dificuldades e não vamos conseguir garantir combustível às nossas viaturas e às que venham ajudar”, vincou.

A dívida de combustível já atingia cerca de 15 mil euros a um empresário local, mas, atualmente, a situação está em parte resolvida. Adelino Gomes conta que foi possível pagar parte do valor com a ajuda de uma instituição que adiantou o dinheiro à corporação. 

A Câmara de Constância, reportando-se a esta situação, fez saber em comunicado que “não tem capacidade financeira para prestar mais apoio à Associação Humanitária dos BVC, do que o que tem prestado até ao momento”.

Em comunicado, o Município refere garantir à Associação Humanitária o “pagamento da água e da luz no quartel em Constância e na seção em Santa Margarida da Coutada; o pagamento de 50 % dos custos referentes à equipa de intervenção permanente; o pagamento do seguro de acidentes pessoais dos Bombeiros, os apoios pontuais para a aquisição de equipamento (em 2018 a autarquia apoiou com 1.500€, e em 2019 com 5.000€) e a frequência do Ginásio Municipal, de forma gratuita, para um conjunto de bombeiros”.

“Os apoios fixos aos Bombeiros, sem contabilizar os pontuais, ascendem a um valor anual de 56.360,03 € (dados de 2018)”, pode ler-se no comunicado, onde a Câmara ainda “reconhece e valoriza o seu corpo de bombeiros, relevando o trabalho dos homens e das mulheres que todos os dias dão o seu melhor ao serviço das populações, mostrando a sua solidariedade com o corpo ativo, pelas dificuldades que estão a atravessar”.

“No entanto, o Município de Constância não pode assumir uma responsabilidade que não é sua. A Associação Humanitária dos BVC tem órgãos sociais próprios que são totalmente responsáveis pelas decisões e opções que tomam, bem como serão os únicos que poderão explicar a todos e a todas como é que a Associação Humanitária chegou à atual situação”, salienta o Município.

Em reação a este comunicado, Adelino Gomes diz ter ficado “magoado”.

“Fiquei magoado com o comunicado. Aliás, todos nós ficámos, porque não é real. Quando se afirma que a Câmara Municipal transferiu para os bombeiros cerca de 50 mil euros, as coisas têm de ser explicadas”, vinca o responsável.

 

Adelino Gomes diz ter ficado “magoado” com a Câmara Municipal.

Mais adianta que os 50 mil euros se reportam “ao seguro dos bombeiros voluntários, que é uma responsabilidade das Autarquias até porque parte do dinheiro vem do Orçamento de Estado. E refere-se a 50% do pagamento da equipa de primeira intervenção que resulta de um protocolo entre a Câmara e o Ministério da Administração Interna. Neste caso, nós acabamos por pagar o custo, uma vez que a Câmara só nos transfere o dinheiro depois do mês e nós temos de antecipar o pagamento”.

Adelino Gomes continua e dá conta que os 5 mil euros referidos no comunicado não correspondem à verdade, adiantando que “ foi cerca de 3 mil euros, mas esse dinheiro também tinha a ver com uma proposta em resultado do ano de 2017, que foi bastante desgastante, onde solicitámos a compra de 20 fatos de proteção individual e foi-nos dito que sim. O que é certo é que nós avançamos com a compra e ficámos com mais um aperto de cerca de 14 mil euros”.

“Portanto, a transferência dos 1.500 euros em outubro foi a primeira tranche do pagamento da componente da Câmara para os fatos, tal como os 3 mil euros de 2019. O que é certo é que os fatos foram comprados em maio de 2018”, acrescentou.

Para o comandante “foi de facto um comunicado infeliz, porque não explicou devidamente as coisas. É um facto que a Câmara paga a água e a luz dos quartéis, mas esse não pode ser o apoio aos bombeiros que é o braço armado da proteção civil de um concelho”.

Questionado sobre se tem obtido respostas por parte dos hospitais, Adelino Gomes avança que não tem obtido qualquer resposta e que “o único hospital que fez uma transferência de 9 mil euros foi o hospital de Santa Maria, sendo um dos hospitais cumpridores”.

“No mês de dezembro e janeiro, o único dinheiro que recebemos do organismo do Estado foi da ARS porque nenhum dos outros pagou. Foram dois meses de aperto, fomos às nossas reservas e ficámos tesos, como se diz na gíria popular”, aludiu. 

 “Pode estar em cima da mesa a insolvência”, admitiu Adelino Gomes, reconhecendo não ser “um drama neste tipo de instituições (...) mas só a palavra insolvência nos assusta”.

“Já passei por duas situações na qualidade de tesoureiro, mas nunca uma tão difícil como esta”, finalizou.

Ontem,  a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Constância emitiu um comunicado onde é possível ler-se que a corporação “não tem podido contar com a colaboração consequente de entidades a quem cabe cuidar das vidas, dos bens e da segurança da população, cuja responsabilidade pertence ao presidente da Câmara Municipal de Constância".

"Todavia, a Câmara manifesta paralisia perante as dificuldades que lhe temos sistematicamente comunicado e tem sido incapaz de decidir acerca de vias de solução para os problemas existentes. Será a Câmara Municipal a depositária das chaves da Associação quando lhe forem entregues, que poderá ser o caso, a manter-se a situação presente, de incumprimento de pagamento de dívidas pelas instituições a quem prestamos serviços”, lê-se. 

Município reage às acusações

Em declarações à Antena Livre, Sérgio Oliveira, presidente da Câmara, disse hoje estar muito preocupado “com todos os homens e mulheres que estão ao serviço dos nossos bombeiros voluntários e que estão a atravessar uma situação bastante difícil e que nos tem preocupado a nós, enquanto Município”.

De seguida, o autarca considerou ser necessário clarificar a relação que a Câmara Municipal tem estabelecido com a corporação. Sérgio Oliveira começou por referir que tem mantido todos os meses uma reunião com a direção da Associação Humanitária.

Reportando-se à reunião realizada no passado dia 16 de janeiro, conta o presidente que foi nesse momento que ficou inteirado das recentes dificuldades e que foi solicitado à Câmara Municipal algum apoio. Em concreto, que “fosse possível prestar um apoio com uma fatura deixada no Município, no valor de 6.559 euros. Portanto, o senhor comandante diz que gastou 14 mil euros [nos fatos de proteção individual], mas na verdade, a fatura que entrou no Município foi com o valor de 6.559 euros”.

“Em 2018, já tínhamos atribuído um apoio no valor de 1.500 euros sem que tivesse sido entregue qualquer fatura que justificasse o subsídio dado. Em janeiro, e após a comunicação das dificuldades, pegámos na fatura deixada, deduzimos os 1.500 euros já concedidos e deliberámos dar um apoio de 5.059 euros”, salientou o presidente, dando conta que “quando foi para efetivar a transferência bancária, a divisão financeira do Município alertou que todos os pagamentos ou subsídios feitos acima do montante de 5 mil euros teriam de requer ao beneficiário a apresentação da declaração de não dívida à Segurança Social e às Finanças”.

“Em relação à declaração das Finanças não houve qualquer tipo de problema. Relativamente à declaração da Segurança Social, houve alguma resistência no seu envio, mas a declaração lá foi submetida”. Foi nesta altura, que o Município soube que constava “uma dívida à Segurança Social de cerca de 149 mil euros”, referiu Sérgio Oliveira.

“Face a esta situação, a legislação obriga a que seja feita a retenção de 25% sobre o valor do apoio a conceder. E foi por esta razão que o valor transferido foi de 3.794 euros”, vincou.

O presidente diz estar disponível para um diálogo “aberto, num clima de lealdade, transparência e verdade”.

No inicio deste mês de fevereiro, realizou-se  uma nova reunião entre o Município e a corporação. Conta Sérgio Oliveira que lhe foi comunicada “uma situação insustentável” e que os Bombeiros “necessitavam de um apoio entre 40/50 mil euros”. Contudo, considerou o Executivo, que não poderia prestar o apoio solicitado.

Segundo o autarca, a justificação prende-se com uma “gestão financeira apertada” e com o facto de o Município não poder “pagar salários de outras instituições”.

No passado sábado, conta Sérgio Oliveira que contactou a presidente da direção da Associação Humanitária e solicitou que lhe fosse entregue um relatório que clarificasse a situação financeira da Associação. Portanto, “os créditos e os débitos para que fosse possível “delinear um plano de recuperação”.

“No sábado, enviei ainda um email para a Associação (...) no qual fiz um conjunto de questões, voltei a insistir no envio do relatório e como me tinha sido referido que o socorro poderia ficar comprometido, a partir do dia 11 de fevereiro, transmiti que no caso do socorro para o concelho, quer das ambulâncias quer dos carros para os incêndios, teriam a disponibilidade para abastecer as viaturas no armazém municipal (...) Também transmiti que caso alguma família necessitasse de apoio social, que o Município teria respostas sociais ativas e em funcionamento”, sublinhou.

Por fim, Sérgio Oliveira disse à Antena Livre que já remeteu dois ofícios à Ministra da Saúde para que seja possível desbloquear os pagamentos do Serviço Nacional de Saúde à Associação Humanitária e que continua disponível para um diálogo “aberto, num clima de lealdade, transparência e verdade”.

Joana Margarida Carvalho e Patrícia Seixas 

 

*Pode ouvir aqui a entrevista a Adelino Gomes, comandante dos Bombeiros:

https://www.antenalivre.pt/podcast/informacao-antena-livre-edicao-12h-ouca-aqui-11475/

*Amanhã, no alargado do 12h00, será transmitida a entrevista a Sérgio Oliveira, presidente da Câmara

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