Antena Livre
Deseja receber notificações?
Município Abrantes
PUB

Entrevista/Francisco Lopes: “O Poker é um jogo de pessoas e de escolhas”

2/11/2017 às 00:00

Chama-se Francisco Lopes, como o seu pai, mas é Kiko para os amigos mais chegados. Tem 24 anos, reside na aldeia do Pego e é Jogador Profissional de Poker.

O Francisco abriu as portas ao Jornal de Abrantes e, numa atitude descontraída, contou-nos como tem sido esta passagem pelo mundo do Poker. O jovem ganhou mais de 47 mil euros na final da World Poker Tour DeepStacks Portugal, no Casino de Vilamoura, no passado mês de setembro.

Como foi o primeiro contacto com o Poker?

Acho que tinha 17 anos. Não se pode jogar com 17 anos (risos), mas foi nessa altura que comecei com o interesse pelo jogo. A primeira vez que tomei contacto com o jogo foi através da televisão. Situação que acontece com quase toda a gente. Há um programa na televisão e começamos logo com aquela curiosidade - que jogo é este? Depois, através da internet, comecei a jogar online, numa atitude descontraída, para ver como era.

Não cheguei a ir para a Universidade. Quando chegou a altura, já jogava Poker e já ganhava algum dinheiro e decidi tirar um ano para experimentar o jogo. Como já ganhava algum dinheiro, falei com os meus pais e disse que gostava de experimentar profissionalmente e correu bem.

O jogo online começou a ser estimulante porquê?

Porque o Poker é um jogo de pessoas. É interessante ver a reação em termos estratégicos das pessoas e foi isso que mais me cativou.

Cada pessoa tem uma “mão”, mas a forma como joga essa “mão” é que define o resultado a longo prazo. É um jogo muito estatístico, que está muito ligado à área da economia e da gestão financeira.

No jogo online, cada pessoa tem um nickname (um perfil) e hoje posso jogar com uma pessoa e daqui a 2/3 dias encontrá-la noutro torneio e lembrar-me da forma como ela jogou. Há sempre algo que se enquadra em cada jogador. Apesar de não estar a ver a reação delas, tenho sempre um historial do que já fizeram.

Quais são as principais diferenças de jogar ao vivo e como tem sido a experiência?

Tinha 19 anos quando joguei num torneio ao vivo. Foi no Casino Estoril, em Lisboa. Sentia-me um bocado nervoso quando joguei. Já estava habituado a jogar online, já era ganhador, mas jogava valores muito baixos, torneios de 2 a 3 euros de entrada e o jogo ao vivo custa no mínimo cerca de 70 euros, naquela altura eram 100.

No Estoril, era portanto um torneio mais caro e um registo ao qual não estava habituado, mas gostei da experiência, apesar de não me ter sentido muito à vontade.

E por onde está centrada a tua aposta agora?

A minha maior experiência é no jogo online. A regra é jogar online, a exceção é ir aos locais ao vivo. Porque os torneios ao vivo são muito caros - implicam 1000 a 2000 euros de entrada, sendo que já jogo no circuito europeu.

Joguei muitos anos online para acumular dinheiro para depois ir aos sítios. O jogo online tem vantagens, porque não existem despesas de viagens e de alimentação e normalmente há sempre pessoas para jogar.

O que jogo na maior parte das vezes são cash games, ou seja, são jogos onde cada ficha vale “x” dinheiro e as pessoas podem entrar e sair quando quiserem. Nos torneios presenciais, cada pessoa paga “x” de entrada e recebe um determinado número de fichas.

Como te preparas para os torneios ao vivo?

Já tenho muita experiência a jogar. A minha estratégia não muda por jogar ao vivo. Tento ter rotinas saudáveis antes de jogar. Como tenho de viajar a maior parte das vezes, sendo que em Abrantes não há este tipo de eventos, vou sempre no dia antes, mesmo quando o jogo é em Lisboa.

Tento dormir bem, o que é um bocado complicado, pois estou habituado a jogar à noite, uma vez que a maior parte do jogo online decorre durante a noite, o que me leva a deitar por volta das 4 da manhã. Assim, tento mudar a minha rotina uns dias antes para que no dia não esteja a fazer um esforço e tento comer bem.

Estive agora na República Checa durante 20 dias a jogar torneios. Já é a segunda vez que vou lá para jogar. Na primeira vez andava sempre muito cansado. Não estava a comer bem, nem a dormir, passados uns dias já não conseguia pensar e sentia-me mal, pois não estava a ter uma boa performance. Portanto, uma das coisas que tento melhorar, é a minha rotina.

Que objetivos levas contigo?

Claro que o objetivo é sempre ganhar, mas a minha intenção de jogar num torneio baseia-se em dois fatores: o valor da entrada – tem de estar dentro do teto máximo que eu estou disposto a jogar, ou seja, tem a ver com o dinheiro que eu tenho para investir e os riscos que estou disposto a ter. Se tiver tudo enquadrado, avanço e depois avalio se é um bom investimento.

Olho para as pessoas que estão a jogar, faço a minha avaliação e penso, por exemplo, neste torneio vou ganhar 50% do dinheiro que investi.

Os jogadores profissionais pensam em ganhar, mas sabem que é impossível ganhar sempre ou chegar sempre aos prémios. Portanto, o mais comum é pensarmos a percentagem do que vamos ganhar mediante o investimento feito.

É preciso praticar bastante?

Sim. Nos últimos 4/5 anos, todas as segundas-feiras, estudo cerca de 8 horas o jogo. Estudar sem jogar. Estudar estatística e estudar a teoria dos jogos. No início ia à procura da informação nos livros, depois, à medida que se evolui, os livros ficaram para trás e comecei a ir à internet, onde existem sites, que pagando uma assinatura mensal, conseguimos ver dos melhores jogadores do mundo a comentar e a jogar.

O Poker é um jogo complexo?

Muito complexo. Este ano, o jogo foi resolvido por um computador num jogo “um contra um”. Foi uma Universidade Americana que fez este estudo. Já o anda a fazer há muitos anos e não lhes interessa o Poker em si, estão a estudar como vencer o Poker, porque é um jogo de informação incompleta – um jogador nunca sabe as cartas do outro, mas imagina.

O que caracteriza um jogador de Poker?

Acho que é muito importante ser autocrítico. Vejo muitos jogadores que, estrategicamente, são muito bons, mas depois falham porque gastam demasiado dinheiro, jogam jogos que não deviam de jogar porque não os vencem. É preciso ser autocrítico. É preciso ponderar e pensar bem.

Depois, é preciso gostar do jogo e de matemática que era uma disciplina que até gostava, mas depois deixei de gostar tanto porque muitas vezes as matérias não eram palpáveis, eram abstratas e no Poker eu percebo todo o processo, o que me faz gostar hoje de matemática.

Onde já jogaste Poker?

Sobretudo na Europa, em Nottingham, Barcelona, Marbella, na República Checa…. Em Portugal já joguei no Estoril, Vilamoura, etc. O meu maior feito foi em Vilamoura. Lá fora já ganhei alguns prémios, mas ainda não ganhei nenhum torneio. Mas também só comecei a jogar mais ao vivo este ano.

No mês passado venceste um torneio em Vilamoura. Como foi a experiência?

Cada pessoa recebeu 30 mil fichas. Eu passei ao segundo dia do torneio com 80 mil e fui ganhando. No terceiro dia, passei para mesa final, sendo o terceiro jogador com mais fichas.

No dia da final, não estava muito nervoso, sinceramente, apesar de nunca ter jogado para tanto dinheiro.

O primeiro prémio eram 55 mil euros e eu ganhei cerca de 47 mil, uma vez que fiz um acordo com o jogador que jogou contra mim.

O Omar Lakhdari, que é argelino, foi quem jogou a final comigo. Ele tinha uma maneira muito particular de jogar. A presença dele na mesa irritava as outras pessoas, estava sempre a espalhar as fichas de maneira a confundir e a fazer com que as pessoas não soubessem quantas fichas tinha. Ele tinha muita experiência a jogar Poker ao vivo e fazia com que as pessoas se sentissem desconfortáveis - era uma estratégia a favor dele. Eu não uso esse tipo de estratégia e não me afetou, porque já joguei muitos torneios e já estou habituado.

Acabámos por dividir o prémio porque eu tinha 4 milhões de fichas quando começámos a jogar e ele tinha 3. Ele propôs-me dividir o prémio ao meio. No princípio, não aceitei, porque estava em vantagem, mas ao intervalo fizemos o acordo. A diferença eram 15 mil euros entre o 1º e o 2º lugar. O 2º recebia 40 mil e o 1º lugar recebia 55 mil euros. Se dividíssemos cada um ganhava 47 mil euros e uma entrada para um torneio do World Poker Tour em Berlim, em janeiro de 2018, e foi o que fizemos. Eu ganhei-lhe o jogo, mas não me importei pelo acordo feito. É muito comum isso acontecer.

O máximo que tinha ganho eram 9 mil euros num torneio online. Em Vilamoura foi uma boa sensação, os meus amigos vieram todos ter comigo e depois tive uma hora a dar entrevistas, algo que nuca tinha feito (risos). 

O que fizeste ao prémio?

Guardei para investir mais tarde.

Se tivesses que parar de jogar, como lidarias?

Seria um choque porque é a minha fonte de financiamento. Quando o site do Poker Star foi fechado estava no Nos Alive e estava-me a divertir quando li a notícia que a partir daquela segunda-feira não tinha emprego. Fiquei preocupado, triste e acabei por gastar praticamente todo o dinheiro que tinha acumulado nos meses seguintes, até cheguei a ponderar sair do país para jogar. Quando o site voltou, voltei também à normalidade.

O que define o Poker? Há muitas pessoas a jogar profissionalmente no país?

O Poker é um jogo de pessoas e de escolhas. Se não pensarmos numa mão isolada e se pensarmos numa amostra de mãos, cada pessoa foi colocada no jogo exatamente nas mesmas situações, mas depois seguem-se as escolhas que definem o desfecho.

Há muita gente a jogar Poker e profissionalmente há muitos jogadores. Só eu conheço uns 80 a 90 jogadores que vivem do Poker. 

A família apoia experiência?

Eu tenho muita sorte, a minha família apoia. É normal eu dizer em casa, e até para a minha avó, que vou jogar Poker para República Checa (risos)!

Joana Margarida Carvalho

Fotos na final da World Poker Tour DeepStacks Portugal, no Casino de Vilamoura (crédito DR)

 

Partilhar nas redes sociais:
Partilhar no X
PUB
Capas Jornal de Abrantes
Jornal de Abrantes - abril 2024
Jornal de Abrantes - abril 2024
PUB