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“Neste momento, como estamos, o CRIA é insustentável” – Nelson Carvalho em entrevista

8/03/2018 às 00:00
Nelson Carvalho

Nelson Carvalho, presidente da direção do CRIA, Centro de Recuperação e Integração de Abrantes, em entrevista alargada à Antena Livre, falou do passado, do presente e do futuro da instituição.

A realidade financeira do CRIA é preocupante. Segundo o presidente da direção, o CRIA tem uma dívida à banca que se cifra em 1 milhão de euros e a atual direção já se viu obrigada a aprovar uma Estratégia para a Sustentabilidade Financeira da instituição.

Nelson Carvalho fala de atos de má gestão levados a cabo pelas anteriores direções e de uma luta difícil de travar para manter uma instituição que assume uma importante resposta social no concelho de Abrantes e na região.

CRIA

Começámos por questionar o atual presidente acerca das irregularidades que vieram a público recentemente. Questionámos o processo da sua eleição e a auditoria do Instituto da Segurança Social levada a cabo.

“Essa é uma questão que foi trazida agora, curiosamente, como fosse algo novo, mas nada disto é novo”, começou por vincar Nelson Carvalho.

O responsável recorda que “o ano passado, no dia 9 de maio, nós recebemos um documento chamado Ação de Fiscalização do CRIA – Comunicação dos Resultados. Documento esse que demos conhecimento aos órgãos sociais, à Assembleia Geral numa assembleia extraordinária, e à comunicação social, onde todas estas questões estavam lá esclarecidas”.

A Ação de Fiscalização na instituição foi levada a cabo e, segundo Nelson Carvalho, na altura, “alguém achou que estávamos a mais e quis correr connosco depois de termos dado conta de algumas ocorrências, levantado alguns processos e averiguações”.

Recorrendo ao documento que sustenta a Comunicação dos Resultados da Ação de Fiscalização, o presidente citou “no que concerne à matéria denunciada, verificou-se que decorria ainda o prazo de adequação dos estatutos do CRIA ao estatuto das IPSS - que tinha sido objeto de alteração legislativa – não sendo comprovada a ilegalidade na eleição dos atuais órgãos sociais”.

“Querer levantar esta matéria agora como fosse algo de novo é querer levantar a confusão”, afirmou o presidente, dando conta que “quando surgem notícias que se reportam a irregularidades detetadas pela auditoria financeira e jurídica, falamos de todos aqueles assuntos que foram explicados o ano passado”.

Sobre as irregularidades detetadas na instituição, Nelson Carvalho voltou a ler o documento e voltou a citar o mesmo: “da análise dos recibos de vencimento de algumas pessoas verificaram-se pagamentos, tais como a título de exemplo: complementos, ajudas de custo, subsídios de transporte, sem que existam deliberações por escrito, autorizações e documentos que sustentem a sua atribuição (…) As verbas em causa foram auferidas sem justificação legal para o efeito configurando-se enriquecimento sem causa, termos em que a instituição terá de ser ressarcida e os órgãos sociais responsabilizados através da participação ao Ministério Público pela prática de tais atos ilícitos”.

Segundo o documento apresentado por Nelson Carvalho, a instituição foi lesada em “27 mil e 800 euros”. E, atualmente, o CRIA aguarda por desenvolvimentos, sendo que o processo ainda está a decorrer no Ministério Público.

"O CRIA não tem um equilíbrio financeiro"

O presidente traça um cenário muito negro no que diz respeito à saúde financeira da instituição. Começa por dizer que “o CRIA não tem uma saúde financeira, não tem um equilíbrio financeiro e neste momento, tal como nós o herdamos, não é sustentável, porque tem um desequilíbrio enorme entre as receitas e as despesas. Mas esta matéria também não é nova e tem anos no CRIA”.

Nelson Carvalho refere que o assunto tem sido objeto de conversa constante nas Assembleias Gerais, mas para justificar o défice financeiro recorda o passado:

“Se olharmos para o parecer do Conselho Fiscal de 2010, é possível ler o seguinte: ficou expresso o resultado obtido e o consequente desequilíbrio orçamental face a várias preocupações e sobretudo a algumas respostas sociais e isso pode vir a ter significado quer na resposta em si, quer nos postos de trabalho que envolve, quer na própria sustentabilidade da instituição nas vertentes económicas e sociais”.

Segundo o responsável, em 2011, o Conselho Fiscal dizia que a “arrecadação da receita da valência do lar é insuficiente para a cobertura das despesas e não entra na forma regular e atempada e tem gerado constrangimentos significativos de tesouraria, tendo a necessidade de recorrer a empréstimos de curto prazo e considerando custos financeiros. O Conselho Fiscal face aos resultados obtidos, tem de continuar a mostrar preocupação com saldos negativos de algumas valências, particularmente que é observável que entre elas as há, com um manifesto subfinanciamento”.

Nelson Carvalho continua e dá conta que, entre 2012 e 2013 mudou o regime de contabilidade no CRIA e houve um trabalho de uma ROC (Revisora Oficial de Contas) para fazer a transição, que escreveu um relatório, onde referia que “a manutenção de prestação de serviços e da capacidade do CRIA em manter os fins sociais depende da identificação de novas fontes de financiamento ou da manutenção do recurso continuado a financiamento bancário”.

Posto isto, assegura o responsável que “a direção anterior contraiu em 2013, 25 mil euros [de empréstimo] pois não conseguia pagar vencimentos. Em 2014, contratou um empréstimo de 400 mil, mais uma conta corrente de 100 mil e em 2015 mudou de banco e deixou mais outra conta corrente (…). De 2013 para 2014 o aumento de pessoal cifrou-se em 115 mil 953 euros mais ou menos em 10% (…). Aumentou-se uma serie de encargos com pessoal, com chefias, etc.”

Em 2015, aquando da tomada de posse da direção liderada por Nelson Carvalho, é-lhes deixado um documento intitulado Plano Estratégico 2015/2017.

Segundo o presidente, para a nova direção é deixada uma Estratégia de Sustentabilidade que refere: “o papel importante da instituição não pode ser a fonte exclusiva de receita, daí termos previsto no Plano Estratégico a captação de recursos, a captação de fundos para a sustentabilidade institucional, ou seja, o nosso planeamento prevê através de uma conceção de marketing, meios e formas de comunicação o envolvimento de mecenas”.

Sobre o plano deixado pela anterior direção, o presidente considera que “não se podia contar com esta solução para assegurar as despesas correntes de funcionamento isso seria a estratégia do Titanic. Não dava”.

Desde 2015, assegura o dirigente que a atual direção tem procurado “baixar despesas, de pessoal e de funcionamento” e identificou “fontes de financiamento porque a história de arranjar mecenas só podia ser a brincar”.

“Neste momento, aprovámos um documento que se chama Estratégia para a Sustentabilidade Financeira que prevê estes antecedentes todos e identifica os pontos negros e prevê ainda a reformulação da estrutura da organização. Identifica os modelos de funcionamento para procurar receitas adicionais e para reduzir despesa”, explica Nelson Carvalho, recordando que no CRIA “80% dos custos é com pessoal” o que “é manifestamente exagerado”.

Reportando-se a atos de gestão passados, o presidente refere que a horta da instituição tinha “um buraco financeiro de 70 mil euros” e o lar, que “poderia ter realizado uma receita de 10 mil euros por mês, não realizou durante 10 anos”. Assim, na atualidade, “a saúde financeira da instituição é problemática, porque as alterações previstas não produzem efeitos imediatos”.

CRIA atinge os limites com a banca

Recentemente, o CRIA teve de voltar a recorrer à banca e desta vez contraiu um empréstimo de 100 mil euros.

Este último empréstimo de 100 mil euros veio para podermos pagar por exemplo o subsídio de natal. O CRIA tem os compromissos com o Estado, com os trabalhadores e fornecedores mais ou menos em dia. Mas, atingimos os limites com a banca e, portanto, estamos a procurar fazer esta reestruturação para viabilizar o problema, só que isto demora tempo”, explica o responsável.

Nelson Carvalho avança que “a despesa com o pessoal é muito alta, porque houve uma política salarial que eu tenho dúvidas se algum dia se fez contas quanto aos totais e aos montantes. A instituição é regulada pelo acordo coletivo das IPSS que define quais as categorias e remuneração. O CRIA está muito acima do que são os referenciais da Segurança Social, o que não tem problema, desde que o que se paga a mais seja sustentável”.

“Depois, temos outro problema muito grave que é a desigualdade salarial. Sem se perceber porquê, na mesma categoria profissional, no mesmo escalão, dois trabalhadores no CRIA tem salários desiguais. E temos agora trabalhadores que vão começar a auferir mais, pois estão numa categoria que lhes permite isso mesmo. E temos vários trabalhadores nesta condição”, explicou o responsável e deu exemplos “um já foi a tribunal e obviamente, como nós esperávamos, ganhou e o tribunal mandou repor [o salário reivindicado], mas ainda há um conjunto de outros, porque há várias categorias profissionais onde isso está previsto. E isto vai obrigar a um nivelamento salarial por cima”.

Nesta fase, a direção está a levar a cabo um conjunto de conversações com a comissão de trabalhadores “para ver se é possível algum acordo temporário para que esta questão se possa ir dirimindo. Estamos a trabalhar nisto porque há muitas coisas a ter em conta”.

“Nós devemos à banca cerca de 1 milhão de euros. Neste momento, como estamos, o CRIA é insustentável. Agora temos alterações previstas para introduzir sustentabilidade”, assegurou o responsável, enumerando as prioridades atuais: “a nossa prioridade agora é pagar os compromissos que põe em causa o funcionamento. É pagar ao Estado, pagar a fornecedores que têm a ver com o funcionamento quotidiano e honrar os compromissos com a banca”.

Questionado sobre a possibilidade de estarem em causa despedimentos, Nelson Carvalho avançou que “eventualmente pode. Temos essa questão em linha. Não estou a dizer despedimentos massivos porque nós temos de cumprir com os recursos humanos necessários para manter as diferentes valências a funcionar. E eles estão contratados, se bem que em alguns casos a direção anterior fez mais contratos do que deveria ter feito. É evidente que a Segurança Social só assegura o mínimo, cabe depois à instituição colocar mais trabalhadores se assim entender desde que lhes possa pagar. E o problema foi esse”, lamentou o presidente, garantindo que “pode estar em causa despedimentos cirúrgicos”.  

Conselho Fiscal demite-se

Nelson Carvalho confirmou a demissão do Conselho Fiscal em novembro de 2017, não detalhando em pormenor o teor da carta apresentada por aquele órgão na Assembleia Geral.

“O Conselho Fiscal apresentou uma carta de demissão ao presidente da Assembleia Geral (…) Na Assembleia Geral, apresentou-se a carta, foi lida na íntegra, os associados ouviram e o que se decidiu foi fazer novas eleições. Fez-se novas eleições e o novo Conselho Fiscal já tomou posse”, contou.

Quando questionado se a demissão foi por falta de acesso “a documentação”, Nelson Carvalho respondeu dando conta que“no CRIA o presidente do Conselho Fiscal entrava diretamente na contabilidade sem pedir autorização a ninguém. Esse argumento não é, do meu ponto de vista, válido”.

“A carta de demissão é do dia 17 de novembro. O plano de atividades, orçamento e último balancete que foi solicitado pelo Conselho Fiscal foram enviados no dia 15 de novembro. Logo, do meu ponto de vista, não é um motivo relevante, porque o presidente do Conselho Fiscal sempre teve acesso direto ao serviço de contabilidade”, garantiu o dirigente.

Atualmente, o Conselho Fiscal é composto por Sónia Alves, Ablú Dias e António Lourenço.

No que diz respeito aos apoios e aos mecenas do CRIA, a Antena Livre quis saber se estes têm sido afetados mediante toda a especulação em torno da instituição.

Nelson Carvalho explica que “a instituição tem ao longo do ano donativos que todos somados andam na casa dos 15 a 20 mil euros, sendo que variam de ano para ano. São donativos de empresas, particulares, de pessoas que vão dando ao longo do ano (…) São contributos, estimáveis, mas que não têm um papel de relevo na estrutura da receita da organização”.

Em resposta à questão, o presidente afirma que a atual direção não notou que “os contributos tenham reduzido. Em alguns casos até aumentaram, mas na realidade houve pessoas que saíram da organização, houve processos disciplinares, houve ações em tribunal e litígios diversos e há casos que ainda não acabaram”.

FNATES é adiado

Por último, Nelson Carvalho deixa o ponto de situação de dois projetos da instituição: o Centro Ocupacional de Mação e o FNATES.

No que diz respeito ao projeto para Mação, “foi entregue na Segurança Social, pois tem de ser analisado e aprovado e está nesta fase. É um bom projeto, é uma boa parceria com a Câmara Municipal de Mação que nos permite ampliar a nossa resposta”.

Quanto ao FNATES, “a edição vai ser adiada pois, como é público, o cineteatro São Pedro deixou de estar disponível e obviamente que o tipo de atores que temos não é compaginável com todas as infraestruturas. Vamos adiar e ainda estamos a avaliar para quando”, finalizou.

 Festival Nacional de Teatro Especial em 2017 

 

Joana Margarida Carvalho

 

*A Antena Livre contactou o presidente demissionário do Conselho Fiscal que referiu já ter prestado todas as declarações em sede própria, não demonstrando a sua disponibilidade em conversar com este órgão.

 

*A Antena Livre também contactou o presidente da Assembleia Geral do CRIA que não se disponibilizou a prestar declarações sobre a demissão do Conselho Fiscal em novembro de 2017.

 

*A entrevista a Nelson Carvalho passará na totalidade esta sexta-feira, dia 9 de março, no alargado do 12h00.

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