O velho hospital de Abrantes, denominado do Salvador, foi fundado em 1483, pelo primeiro conde de Abrantes, D. Lopo de Almeida e sua mulher D. Brites da Silva. Em 1488, D. João II ordenou que todos os hospitais e albergarias de Abrantes se juntassem para formar um único hospital, o que só veio a acontecer em 1530, quando foi integrado na Santa Casa da Misericórdia de Abrantes.
Em meados do século XX, embora alargado, o edifício não reunia quaisquer condições para albergar com o mínimo de conforto os doentes que a ele recorriam.
Foi só em 1979, que depois de muito instado (era então presidente da câmara o engenheiro Bioucas), o Ministério da Saúde ordenou a construção de um novo edifício, inaugurado uns anos mais tarde, em 25 de Outubro de 1985. Hoje encontra-se integrado no Centro Hospitalar do Médio Tejo.
A este novo hospital foi então atribuído o nome de Manuel Constâncio, importante cirurgião do século XVIII, natural da nossa região, cujo retrato, num painel de azulejos, se encontra numa parede da entrada principal e que foi feito a partir de uma pintura original que se encontra na Quinta de Vale da Lousa em Sentieiras, por ele mandada construir.
Da sua vida sabe-se que nasceu em Sentieiras, em1726, filho de família humilde, teve uma infância e juventude difíceis, pois o pai morreu cedo, tinha ele apenas 12 anos e, embora muito jovem, sentiu-se na obrigação de ajudar a mãe que ficara com o encargo de sustentar uma família com sete filhos.
O primeiro contacto remoto, no tempo e na complexidade, com o que seria a sua futura profissão, teria sido feito com o padrinho de uma sua irmã, que era barbeiro sangrador em Sardoal, profissão então quase equiparada à de cirurgião.
Por volta dos vinte anos, com os irmãos a crescerem e vendo que já não fazia tanta falta à mãe, veio para Abrantes estudar português e latim, ao mesmo tempo que praticava a arte da cirurgia, no hospital do Salvador, à época muito conceituado nesta área. Como tinha de prover ao seu sustento, ia entretanto exercendo a profissão de barbeiro sangrador e foi assim que, segundo a tradição, teve contactado com um fidalgo que o levou para Lisboa. Esse fidalgo foi o 2º marquês de Abrantes, D. Joaquim de Sá Almeida e Meneses, mas curiosamente não foi em sua casa que se albergou mas sim na do seu cunhado, o conde de Vila Nova, onde teria continuado a exercer as funções de barbeiro. Nesse contacto quase diário com o fidalgo, este foi notando as qualidades excepcionais do rapaz, de tal modo que o incentivou a inscrever-se na aula de cirurgia do hospital de Todos-os-Santos, tornando-se a partir daí seu protector e mecenas.
A cirurgia era na altura ainda uma parente pobre das ciências médicas e esta aula era então quase só frequentada por barbeiros sangradores, alguns quase analfabetos, de modo que Constâncio começou a tornar-se notado pelos conhecimentos, inteligência e interesse que manifestava pelo trabalho. Um dos professores que logo reparou nele e que rapidamente descobriu as suas qualidades foi o famoso cirurgião francês Pierre Dufau, que o Marquês de Pombal trouxera de Viena de Áustria para Lisboa e a quem recorria, quando necessário.
Dufau era também um estudioso de anatomia e foi um dos primeiros que, em Portugal, defendeu a grande importância dos conhecimentos desta matéria para o desenvolvimento da prática da cirurgia, o que até aí não era reconhecido.
Com Dufau, frequentou depois a cadeira de anatomia, onde continuou a revelar as qualidades que lhe faziam antever um futuro brilhante, de tal modo que se tornou o seu discípulo dilecto e mais tarde mesmo amigo pessoal.
Em 1754, Constâncio alcançou a Carta de Cirurgia, ficando assim com habilitações para exercer clínica em Lisboa. O Conde de Vila Nova escolheu-o para cirurgião da sua casa e Dufau, então em boas relações com o Marquês de Pombal, também o apadrinhou, pelo que se lhe abriram logo muitas portas e se viu com uma importante clientela tanto da nobreza como da alta finança.
A sua carreira estava feita, mas isso não o satisfazia. As ciências médicas continuavam a apaixoná-lo, queria continuar a estudar e a estar a par das últimas descobertas científicas nesta matéria. Dufau, quando regressava das suas visitas a França, trazia-lhe livros actualizados, punha-o a par das últimas descobertas científicas no campo da medicina e de tal modo ganhou a sua confiança, que, quando se jubilou, foi Constâncio que o substituiu como lente na cadeira de anatomia.
Ansioso não só de adquirir conhecimentos mas também de os divulgar, foram seus discípulos vários cirurgiões famosos, que muito contribuíram, no futuro, para o avanço da medicina em Portugal.
Em 1792, quando a doença mental de D. Maria I se agravou, Constâncio era já cirurgião da Casa Real e foi um dos que teve uma intervenção directa no tratamento da soberana, cuja doença infelizmente se revelou incurável. Um pouco antes, em 1786, já esta o agraciara com os títulos de cavaleiro e fidalgo e o recompensara generosamente pelos serviços prestados.
Jubilou-se em 1805, contava então 79 anos e só a doença e a idade o impediram de continuar a reger a sua querida cadeira de anatomia, tendo sido substituído no cargo por um discípulo, tal com ele sucedera a Dufau. Refugiou-se depois na sua Quinta de Vale da Lousa, onde morreu com 91 anos e em cuja capela quis ficar sepultado.
Hoje é seu proprietário o industrial abrantino Carlos Lopes Sousa, que tem procurado honrar e recordar, com vários eventos, não só a memória de Constâncio mas também a de Bocage que ali esteve refugiado, quando da perseguição que lhe moveu o intendente da polícia Pina Manique. Foi para lá levado por um dos filhos do cirurgião de quem era amigo e durante a sua permanência, apaixonou-se pela filha mais nova de Constâncio, Margarida, a quem imortalizou em vários dos seus poemas, com o nome de Marília de Dirceu.
Nota: As informações sobre a vida de Manuel Constâncio foram retiradas do livro de Manuel Correia de Castro, Manuel Constâncio, o Páreo Português, edição da Câmara Municipal de Abrantes, 1993
Teresa Aparício