Rui Antonino Rodrigues nasceu no Funchal, Madeira, em 1931 (há 85 anos). Viveu ali até aos 26 anos, quando decidiu ingressar no pastorado da Igreja Presbiteriana, calvinista, e frequentar o curso de Teologia. Foi ordenado pastor em 1961. Em 1966, portanto há 50 anos, foi colocado como pastor da Igreja Presbiteriana no Rossio ao Sul do Tejo, onde ainda se mantém, apesar de reformado. Tem a seu cuidado também as comunidades de S. Miguel do Rio Torto e de Madeiras, Praia do Ribatejo.
Lembremos que faz 500 anos que, a 31 de Outubro de 1517, Lutero afixou na porta da igreja do castelo de Wittenberg, Alemanha, as “95 Teses”, um gesto que deu início à Reforma protestante.
Como decidiu tornar-se pastor protestante?
Nasci numa família católica romana, praticante. Tive mesmo uma tia que foi superiora de um convento de Águeda. Mas o meu pai, que esteve a estudar no estrangeiro, não era tão ligado à Igreja. Eu acompanhava a minha mãe às cerimónias, sobretudo na Páscoa. Em pequeno, insistiram comigo para eu ir para padre, mas eu disse que não. Entretanto, o meu pai teve contacto com um pastor da Igreja Presbiteriana no Funchal e ficou entusiasmado. Foi a um culto, passou a frequentar a igreja. Um belo dia, pensei que, se a Igreja era boa para ele, também seria para mim, e comecei a acompanhá-lo. Depois, convidámos a minha mãe. E acabámos por nos tornarmos membros comungantes, segundo a nossa terminologia. Mais tarde desafiaram-me a ir para entrar no pastorado, mas eu respondi que, se não tinha querido ser padre, muito menos pastor. E a vida continuou. Até que faleceu o meu pai, que era para mim uma coluna. Foi um choque. E, embora trabalhasse numa grande empresa, decidi então ingressar no pastorado. Entrei no seminário da Igreja Presbiteriana, então em Carcavelos, frequentei quatro anos de Teologia, findos os quais fui ordenado pastor e mandado para o serviço.
Continua à frente da sua igreja, no Rossio, apesar de reformado em 1996.
Quando me reformei, tratou-se da minha substituição. Mantive-me alguns anos no pastorado já reformado, até que se pediu auxílio à Igreja Presbiteriana americana e eles enviaram um obreiro fraterno, que esteve cá dois anos, mas decidiu ir para a Figueira da Foz. E eu, que residia aqui, como não havia a alternativa de ter um pastor residente, vi-me na contingência de assumir de novo o pastorado.
O que diferencia a Igreja Presbiteriana da Igreja Católica?
A Teologia, a confissão de fé. A diferença é teológica. A Igreja Presbiteriana é uma igreja reformada, orientada pela teologia de João Calvino, somos calvinistas. Portanto, o que nos separa é a Teologia. Vem na sequência da Reforma do séc. XVI, iniciada por Martinho Lutero, que deu origem a uma teologia com base exclusivamente bíblica e que, por isso, nalguns aspectos difere da Igreja Católica Romana [que, além da Bíblia, segue a Tradição do ensino eclesiástico]. [Rui Antonino mostra-nos, a título de exemplo, a estrutura da sessão litúrgica semanal, diferente, por razões teológicas, da estrutura da missa católica.]
E das outras igrejas protestantes?
Nalguns casos são a forma de governo [da Igreja] e alguns aspetos teológicos, mas são diferenças menores que em relação à Igreja Católica Romana.
Além da pregação, do ensino e da celebração litúrgica da fé, que outras atividades ou funções sociais exerce a Igreja Presbiteriana no Rossio?
O fundamental é a educação religiosa. Mas a nossa preocupação básica é ajudar as pessoas a viver. O que, muitas vezes nos obriga a cuidar de aspetos de caráter social. Como conseguir bolsas de estudo para crianças em famílias mais carenciadas. Em tempos, agora já não, graças a Deus, fornecíamos géneros alimentícios, que recebíamos das igrejas estrangeiras para esse efeito, leite e queijo. E roupas, também. Em 1979, aquando das cheias aqui no Rossio, fomos a primeira entidade a responder às carências das pessoas. Este nosso apoio não é apenas aos membros da nossa Igreja. Neste aspeto, não fazemos distinção entre membros e não membros. Embora muitas vezes isso não seja entendido: as pessoas pensam que é uma forma de angariar simpatia. Não é. A Igreja, qualquer que ela seja, existe não apenas para preparar as pessoas para morrer, e ir para o céu, mas para ajudar as pessoas a viver. Nós pregamos de modo a esclarecer as pessoas para vencerem a sua ignorância ou superstição e não nos limitamos às palavras, procuramos, quanto possível, que as nossas palavras se transformem em atos.
Estamos a começar a assinalar os 500 anos da Reforma. Dum ponto de vista cultural, como pensa que a data devia ser abordada?
A Reforma tem sido vista em Portugal, apenas no aspeto religioso, mas ela ultrapassou, de longe, esse aspeto. Por exemplo, sabemos da importância das ordens religiosas na transformação da agricultura e, por isso, da vida na Europa. A Reforma trouxe a divulgação desses conhecimentos: aquilo que se fazia dentro dos mosteiros passou a ser prática na vida corrente. Uma das vitórias da Reforma foi que a piedade que, durante séculos, se procurava que fosse praticada nos mosteiros ou mosteiros, e se pensava que somente lá se vivia a verdadeira vida de piedade – “ir para um convento para viver em santidade” –, com a Reforma esse desejo de viver em santidade passou a ser vivido fora. A santidade, no sentido presbiteriano e não no sentido católico, passou a ser procurada na vida de todos os dias. A santidade é vivida como o desejo de acertar, mas levando em linha de conta de que isso não se consegue. Daí que, no culto, nós somos desafiados pela Lei à vida de santidade, mas depois surge a confissão de pecados, reconhecendo que procuramos acertar mas erramos. Não partimos do princípio de que os cristãos são os melhores. Para nós, ser cristão é aprender a arrepender-se. Essa mudança teve efeitos muito importantes na sociedade. Portanto, e a propósito destes 500 anos: acerca da Reforma já quase tudo se disse. O importante, agora, é perguntar o que é que a Reforma tem a dizer-nos hoje. O que deve fazer-se não é uma exaltação de Martinho Lutero, e assim por diante, mas uma reflexão daquilo que aconteceu até então e de então para a frente e a sua relação com o mundo atual.
Alves Jana