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Sebastião Santana: Entrevista JA: Com ou sem eleições os problemas dos trabalhadores são os mesmos (C/ÁUDIO)

3/11/2021 às 09:30

É de Abrantes o presidente da Federação Nacional dos Sindicatos da Administração Pública e da Frente Comum dos Sindicatos da Administração Pública. Antes de se desenhar a possibilidade de eleições antecipadas Sebastião Santana anunciou a convocação de uma greve da Função Pública para o dia 12 de novembro que, para já, se mantém inalterada porque as reivindicações, a maior parte delas, podem ser aplicada pois não implicam nada com a aprovação ou chumbo do Orçamento do Estado.

Sebastião Santana tem 37 anos e é natural de Abrantes. É cardiopneumologista no Hospital de S. José, embora esteja a tempo inteiro no sindicalismo. Começou como no Sindicato das Funções Públicas e Sociais e depois caminhou no sindicalismo até substituir Ana Avoila na Federação dos Sindicatos da Função Pública. Assume, com orgulho, a militância no PCP, mas não se vê a saltar para uma vida partidária pois ainda há muito trabalho na defesa dos direitos dos trabalhadores. Vive em Almada, adora a pesca desportiva e continua a vir, pelo menos, uma vez por mês a Abrantes, onde vivem os pais.

(*Esta entrevista foi feita no dia 28 de outubro e alguns temas abordados podem, por isso, ter tido alterações)

Entrevista por Jerónimo Belo Jorge

 

Começamos já pela atualidade, como olha para a possibilidade de eleições antecipadas?

O que leva a que isto aconteça é uma proposta de Orçamento de Estado do partido Socialista que não responde às reivindicações e às necessidades dos trabalhadores da administração pública, no caso concreto que diz respeito à Frente Comum, mas de uma maneira geral do país. E a Frente Comum tem alertado para isso assim que foi conhecida a proposta. O processo de eleições que pode vir resultar do processo democrático e da opção do Presidente da República. Haveria outras, mas vamos ver se se confirma a dissolução do parlamento, caso isso aconteça claro que o país irá para eleições. Do ponto de vista dos trabalhadores da administração pública, havendo eleições, não havendo eleições, mantendo-se o governo em gestão, sendo o país gerido com duodécimos as preocupações são as mesmas que existiam antes deste quadro. É uma desvalorização completa do trabalho na administração pública que tem resultado numa fuga imensa de quadros, é a manutenção da precaridade e políticas de baixos salários. Isso sim são coisas que nos preocupam e que vão ter de ser resolvidas caso este governo se mantenha, caso haja eleições. Continuamos a precisar de respostas e infelizmente os trabalhadores da administração pública estão pior que ontem.

Isso altera de alguma forma a greve nacional convocada para 12 de novembro?

De maneira nenhuma. O que temos em cima da mesa é que a situação dos trabalhadores está pior do que estava à data da marcação da greve porque a perspetiva de resposta imediata aos problemas reduziu-se. No entanto temos um conjunto de matérias para negociar com governo que não dizem respeito ao Orçamento de Estado. E muitas delas não custam um único cêntimo como por exemplo a reposição do vínculo público de nomeação, a reposição dos dias de férias, o fim da precaridade na administração pública, que é um drama cada vez maior. Hoje estão cerca de 95 mil trabalhadores com vínculos precários na administração pública.

 

“havendo eleições, não havendo eleições, mantendo-se o governo em gestão, sendo o país gerido com duodécimos as preocupações são as mesmas que existiam antes”

 

Este pacote de reivindicações vai continuar ou, em caso de eleições, haverá ajustes no discurso dos sindicatos?

O problema é que a nossa proposta reivindicativa comum tem-se vindo a avolumar em número desde há dez anos porque os problemas centrais mantêm-se. Não antevejo grandes alterações naquilo que é a nossa proposta que entendemos ser inteiramente exequível no quadro orçamental que existe, no quadro de crescimento económico previsto, no quadro da chegada de fundos europeus.

A frente comum engloba 30 sindicatos? Como é que se gere as sensibilidades de cada um deles, mesmo sendo todos da Função Pública?

Têm. A Frente Comum é um conjunto de 30 sindicatos e serve para tratar daquilo que são as questões comuns. E, felizmente, as questões que aproximam os sindicatos são muito mais do que as que os separam. É verdade que existem questões específicas dentro de cada setor, o que é facto é que a Frente Comum há muitos anos que consegue fazer o consenso. É um trabalho que por vezes não é fácil, mas que a realidade tem demonstrado que é possível e que entendemos que se tem vindo a reforçar nos últimos anos.

Há muito trabalho para a criação de consensos entre 30 sindicatos?

Há. Há muito trabalho, muitas reuniões, muitas discussões [no bom sentido da palavra] entre o secretariado da Frente Comum. E depois num quadro mais amplo de todos os sindicatos, na cimeira ou na coordenadora da Frente Comum estes momentos que antecedem as lutas e a entrega das propostas reivindicativas comuns são momentos de grande empenho de todos.

Sebastião Santana, vamos ao início. Como é que aconteceu a entrada no meio sindical?

Eu sou cardiopneumologista do Hospital de S. José. A determinado momento o meu sindicado [dos Trabalhadores das Funções Públicas e Sociais do Sul e Regiões Autónomas] tem um processo de eleições para a direção e entende-se que eu que era delegado sindical e deveria integrar essa lista para a direção. Depois disto [ainda estava no hospital] por falta de quadros no sindicato fizeram-me a proposta para assumir um setor para dentro do sindicato. E tive de ponderar isto muito bem, onde é que fazia mais falta…

… é uma alteração profunda na vida?

É e em todos os aspetos. Desde a vida pessoal e familiar, da disponibilidade para a família e tempo para mim próprio houve uma alteração. Não posso dizer que tenha sido para pior, porque ninguém me obrigou a assumir as tarefas que tenho vindo a assumir de responsabilidades cada vez maiores. Mas acho que tomei uma decisão correta, na altura, e ainda não me arrependi. Apesar das responsabilidades e do volume de trabalho ser cada vez maior o meu local de trabalho [hospital] também nunca foi fácil. Portanto, não vinha desabituado de trabalhar como qualquer trabalhador em Portugal.

Depois surge a Frente Comum?

Antes da Frente Comum surgiu a Federação Nacional de Sindicatos da Função Pública, também num quadro de congresso, em que a coordenação da Federação se alterou por motivo de aposentação da minha camarada Ana Avoila. E já estando na direção nacional da federação os meus camaradas entenderam que seria eu a pessoa indicada para dar continuidade ao trabalho que já vinha de trás. Depois a Frente Comum tomou a mesma decisão.

 

“Não somos contra o teletrabalho, somos a favor desde que em condições muito específicas e a pedido do trabalhador”

 

Pegando no exemplo do chumbo do Orçamento de Estado, imagino que terá sido uma azáfama de reuniões e análises. Este cargo e trabalho implica uma disponibilidade quase total?

E deixa de ser um trabalho de cindo dias por semana. Passa a ser um trabalho de disponibilidade quase total. Há reuniões à noite, telefonemas e reuniões ao fim de semana. É fruto das tarefas e das necessidades de dar resposta às necessidades.

Nunca houve atração pela área política, falo de partidos, naturalmente?

Interesso-me muito por política. Sou militante do PCP e faço o meu papel como militante, mas não tenho ambições políticas, no sentido clássico da palavra. Entendo que o meu papel como indivíduo neste momento é ser dirigente sindical e tentar defender os direitos dos trabalhadores, o melhor que possa e consiga….

… mas admite, no futuro, que possa haver um salto para a política partidária?

É uma questão que não se coloca agora. Não se coloca e honestamente não penso nela. Tenho muito com que me entreter na Frente Comum e na Federação dos Sindicatos da Função Pública.

Muitas vezes falar de sindicatos é falar de defesa dos trabalhadores, dos seus vencimentos e condições de trabalho. Mas há mais vida sindical para além destes fatores?

A este nível da discussão [Federação e Frente Comum] a questão central são os direitos dos trabalhadores, mas nunca dissociamos isto das políticas que são seguidas na área da administração pública. A Frente Comum não se limita a defender os aumentos de salários, mas defende também os serviços públicos e a alteração em relação a eles, nomeadamente o Serviço Nacional de Saúde, a escola pública, forças de segurança, o reforço das funções sociais do Estado, o fim das parcerias publico-privadas. Temos uma intervenção que acaba por ser política. Um exemplo concreto: porque é que nós insistimos tanto na defesa do vínculo público de nomeação para os trabalhadores da administração pública? Tem duas vertentes. A primeira é a defesa do posto de trabalho, a pessoa sabe que vai ter aquela função de uma maneira contínua. A segunda é garantir que os serviços públicos estão sempre dotados do número de pessoas suficientes e que não há mecanismos fáceis na dispensa de trabalhadores.

Os trabalhadores recorrem muito aos sindicados e gabinetes jurídicos para resolver diferendos laborais?

Continua a haver um recurso muito forte, tanto que os serviços jurídicos dos sindicatos estão sempre com os agendamentos cheios o que é reflexo de duas coisas: uma é que os trabalhadores continuam sempre a chegar aos sindicatos sempre que têm um problema e outra é que há muitos problemas ainda para resolver. Casos concretos de trabalhador a trabalhador.

E esses números aumentam ou decrescem?

Nos últimos anos tem havido algum acréscimo de recurso aos sindicatos, nomeadamente nos casos do reposicionamento remuneratório, no descongelamento de carreiras que nem sempre foi bem aplicado, no âmbito no programa de regularização de vínculos na administração pública. Há fases, como em tudo. Sempre que surge alguma alteração que não é bem aplicada os trabalhadores chegam mais aos gabinetes jurídicos dos sindicatos. E mesmo as taxas de sindicalização têm vindo a subir nos últimos anos, como se deu conhecimento no último congresso da CGTP. Há aqui um aproximar dos trabalhadores aos sindicatos, como seus representantes.

 

“Sou militante do PCP e faço o meu papel como militante, mas não tenho ambições políticas, no sentido clássico da palavra”

 

Este mundo cada vez mais digital, à distância ou virtual veio alterar a gestão ou a forma de trabalhar dos sindicatos?

Eu dizia que não. Na forma de funcionamento dos sindicatos não. Na forma de contacto com os trabalhadores e com os associados de uma maneira geral houve adaptações a que os tempos obrigaram. E já serão poucos os sindicatos que não tenham a sua própria página de internet, que não tenham o seu grupo de Facebook, que não tenham a sua mailinglist. Portanto houve aqui uma adaptação na comunicação, mas sem esquecer que a centralidade da nossa ação é no local de trabalho e junto dois trabalhadores. Continuamos a fazer o contacto pessoa a pessoa, a entrega do documento, o placard sindical que está no local de trabalho com informação concreta desse local. Isso mantém-se tudo e que entendemos ser o mais profícuo porque falamos diretamente com as pessoas, podemos esclarece-las e até apontar caminhos de luta. Os processos de decisão de lutas passam pela realização de plenários e de auscultação dos trabalhadores. E isso, exceção feita ao período da pandemia em que houve um recurso muito grande a webinar’s e chat’s de outros níveis, e reuniões no Zoom, continuamos a privilegiar os contactos diretos…

… pandemia veio também agitar a forma de funcionamento das estruturas sindicais?

Veio. Veio criar perturbações como em toda a sociedade portuguesa e mundial. Isto de termos de ficar fechados em nossas casas foi um problema para toda a gente.

Esta ideia do teletrabalho veio para continuar. Do ponto de vista dos sindicatos isto implica ajustes no trabalho e nas reivindicações sindicais?

Temos chamado a atenção para a necessidade de garantir todos os direitos aos trabalhadores. É que se um trabalhador no seu local de trabalho não paga os meios de produção, quando está em casa conversa é bem diferente. E a articulação entre a vida familiar e profissional torna-se mais difícil. A casa deixa de ser o espaço íntimo de cada um e passa a ser também o local de trabalho. Aquilo que parecia ser uma coisa que ia ficar eternamente na vida das pessoas, foram os próprios trabalhadores a dizer que bastava e que não seguramente a maneira mais saudável de desempenhar o trabalho. E depois à o caso dos custos que o Estado, no caso concreto dos trabalhadores da administração pública, nunca assumiu e que vai ter de assumir. Não somos contra o teletrabalho, somos a favor desde que em condições muito específicas e a pedido do trabalhador. Agora a sua generalização não nos parece bem, ainda para cima em serviços da administração pública em que não se consegue atender todos os cidadãos, quanto mais com trabalhadores em regime de teletrabalho. É um preocupação que temos e que está na nossa proposta reivindicativa.

 

“A Frente Comum não se limita a defender os aumentos de salários”

 

Indo mais à área pessoal do Sebastião Santana. No tempo, pouco acredito, que tem disponível quais são os hobbies? Como passa o tempo livre?

O meu hobbie principal é a pesca desportiva….

Que já vai poder ser feita no Tejo, uma vez que o Conselho de Ministros aprovou o fim da proibição…

Já ouvi dizer e fiquei muito feliz com a notícia porque realmente não se compreendia porque é que não se podia pescar aí [entre Ortiga e a ponte da Chamusca]. Mas sim, é uma das coisas que faço quando vou a Abrantes é ir pescar. E cá também. Vivo em Almada e vou muitas vezes à pesca. Muitas é como quem diz, neste mês já fui uma e estamos no dia 28. E regra geral à noite e fora de horas. Roubo tempo ao sono para ir à pesca, mas faz-me bem.

E Abrantes, há tempo para vir a Abrantes?

Não tantas quanto gostaria, mas uma vez que o meu núcleo familiar [os meus pais] continuam a estar em Abrantes faço questão de, pelo menos uma vez por mês conseguir ir e tenho conseguido.

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