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Entrevista: A escassez de água resolve-se com armazenamento (c/áudio)

13/03/2024 às 12:13

Os últimos anos têm sido de seca e, nalguns casos, com situações preocupantes quer para o consumo humano, mas sobretudo para a agricultura. Neste sentido algumas entidades da região têm feito visitas a outros países onde já se trabalha com realidade semelhantes. Se o consumo humano é uma preocupação do Estado, já o suporte da agricultura é outra das áreas a ter em conta, sendo que no Algarve há medidas concretas de contenção. A TAGUS tem promovidos uma série de deslocações a outros países para conhecer a forma como lidam com estas realidades. Nestas deslocações tem estado o presidente da Associação de Agricultores, Luís Damas, que traça a ideia do setor. 

Entrevista por Jerónimo Belo Jorge 

A Tagus tem feito viagens, nomeadamente a Cuenca (Espanha) e à Califórnia (Estados Unidos), a última em meados de fevereiro, para ver como é que estas comunidades lidam com situações de seca. O que puderam ver na Califórnia?

A Califórnia tem o mesmo clima que nós, por isso sofre de dois grandes problemas que são os incêndios e a seca. Tiveram dez anos em seca, só conseguiram reequilibrar os níveis de água para as culturas há dois anos. Falamos num vale por baixo de S. Francisco, 600 km de comprimento por 80 de largo, e em que há 80 anos fizeram barragens e canais e conseguiram transformar uma área árida na horta dos Estados Unidos. Só para se ter a noção, um terço dos legumes consumidos em todo o país é produzida na Califórnia. Se o estado da Califórnia fosse um país era a quinta potência agrícola do mundo. A viagem foi feita com agricultores do Ribatejo e Alto Alentejo, autarcas e associações de desenvolvimento local. Visitámos ainda uma feira agrícola e uma universidade que tem uma grande aposta na investigação do setor.

E que soluções aplicaram. Se era uma zona árida como é que a transformaram na “horta dos Estados Unidos”?

Há três componentes. Há águas de barragens do norte do território com grandes canais que a distribuem pelas zonas agrícolas. Nos últimos dez anos o problema da seca foi ausência de chuva que fez esgotar as barragens. O que choveu o ano passado e este ano encheu estes reservatórios que, dizem lá, dá uma autonomia para dez anos. Usam alguma água do subsolo, mas têm é sistemas muito eficazes de rega. Estes sistemas são todos monitorizados e executados com tecnologia israelita e disponibilizam apenas a água que as plantas necessitam...

... Não há percas?

Não há percas e, note-se que têm muitos dias com temperaturas acima dos 40 graus, por isso têm ali uma espécie de estufa ao ar livre. Depois têm a universidade onde são testados e validados novos sistemas de rega. Estão em investigação permanente. Têm um problema semelhante dos agricultores portugueses, que é falta de mão de obra. Mas a grande vantagem é a mecanização dos processos. Como é uma imensa planície conseguem uma automação das várias atividades, como os tratamentos, podadores ou apanhadores de fruta. É tudo comandado a partir de um centro de comando.

 

Na Califórnia retêm a água quando ela existe

 

Ou seja, em relação à nossa realidade, têm um melhor aproveitamento das águas das chuvas?

Sim, retêm a água quando ela existe. E têm capacidade de ter agricultura tendo em conta a água disponível. Dando um exemplo, são os grandes produtores de amêndoa do mundo com cerca de 80% de cota de mercado. Em Portugal fizemos projetos de rentabilidade e o preço da amêndoa rondava 6 a 8 euros o quilo porque eles estavam em período de seca e com pouca produtividade. Voltaram ao normal, as produções normalizaram, e agora o preço do quilo é de 1,9 ou 2 euros o quilo.

Há sempre a dimensão. Lá (EUA) é tudo muito grande [explorações agrícolas]?

É a dimensão, é uma grande horta ao ar livre, tem terra plana, clima, água e mecanização. E têm tudo muito bem organizado. Tinham a temperatura agressiva, mas resolveram com a água armazenada. Têm milhares de hectares de amendoeira, laranjeira, tangerineira, limoeiros, vinhas. Têm um solo que dá tudo.

 

Têm um problema semelhante dos agricultores portugueses, que é falta de mão de obra

 

Qual a diferença com o sul de Espanha, zona de Almeria, sendo considerada a horta da Europa com estufas até perder de vista. O uso da água?

Em Espanha vimos outro problema grave. Em Cuenca (meio caminho entre Madrid e Valência) passa o transvase de água do Tejo para o Sul do país, mas ali não podem usar a água. A grande briga é com os direitos dos agricultores do sul (Valência e Almeria) e têm um problema muito grave de despovoamento e de falta de mão de obra. Na Califórnia até podíamos pensar nos emigrantes mexicanos, mas não, não há trabalhadores.

Ou seja, em Portugal tivemos o Alqueva, mas o Pisão (Crato) está, parece, a avançar, quanto à Barragem do Alvito, de regulação do Tejo, não sai de intenções. Tanto quanto sei, mesmo a construção de pequenas barragens ou charcas nas propriedades, que poderiam ser soluções de curto prazo, tem uma carga burocrática que afasta os empresários?

Sim. Temos, até para essas charcas para reter água da chuva, há uma carga burocrática tão grande que as associações têm pedido um “simplex” para este âmbito. Por exemplo, no norte de Abrantes podem fazer furos artesianos, no sul estão proibidos. O nosso problema é que praticamente toda a água que choveu nos últimos meses vai para as ribeiras, rios e oceanos. Não fica retida.

 

Muito das águas residuais tem outros aproveitamentos e estão a investir muito nisso

 

Mas também aproveitam a reutilização das águas residuais?

Sim, esse também é o caminho. Muito das águas residuais tem outros aproveitamentos e estão a investir muito nisso. Deixem-me só fazer referência aos caudais reduzidos do Tejo, apesar de ter chovido muito. É que tem havido muito vento e como há produção eólica suficiente para a Península Ibérica, as hídricas não trabalham, pelo que as águas estão a ser retidas nas barragens. Em Portugal também temos secas no rio no inverno.

A ideia de poder haver no Açude de Abrantes um aproveitamento as águas para a agricultura tem pernas para andar?

É um pequeno reservatório, mas pelo que sabemos deverá ali ser instalada uma mini-hídrica. O que gostaríamos era que, em alturas de muito baixo caudal do rio, este pequeno reservatório pudesse alimentar o Tejo entre Abrantes e Constância.

Já a Itália, região da Toscana, foram ver o aproveitamento dos produtos locais?

Aí foi tentar perceber, numa zona com problemas de falta de pessoas, como é que eles fizeram o seu crescimento. Por exemplo, têm uma espécie de olival só com 20 produtores, mas que têm como produto DOP. Também conseguiram desenvolver maquinas para a apanha da castanha para contornar a falta de mão de obra. Estão a tentar colocar a castanha novamente no mercado. Temos muitos produtos que não conseguem competir em quantidade com outros mercados, mas podem competir em qualidade/preço e foi isso que vimos nesta região. Em Abrantes temos sempre três realidades. O norte de Abrantes, Mação e Sardoal que é o minifúndio. O vale do Tejo que é a agricultura competitiva, faz-se aqui agricultura de ponta. E depois temos o sul do concelho com a grande dimensão e incidência nos agroflorestais e pecuária.

 

 

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