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Mário Pissarra: «A filosofia mantém o espírito crítico e abre horizontes de possibilidade»

4/12/2016 às 00:00

Mário Pissarra, como é conhecido, é o presidente da comissão do cinquentenário do Liceu e/ou Escola Dr. Manuel Fernandes, onde foi professor. Radicado em Abrantes em 1973, como professor, primeiro de religião e moral e depois de filosofia, tem sido uma figura relevante, sobretudo na educação. Mas não só, também no jornalismo local, no associativismo cultural ou na organização de momentos de reflexão e debate. É um homem com quem se pode contar. Declaração de interesses: somos amigos, colegas de escola e disciplina, e ainda parceiros em vários projetos na vida abrantina.

 

Como foi receber o convite para presidir à comissão do cinquentenário?

Foi uma alegria. Eu sou um homem de uma escola só, onde permaneci, na prática, toda a minha vida profissional: o antigo Liceu, hoje Escola Dr. Manuel Fernandes. Saí apenas um ano para fazer estágio em Castelo Branco e três anos em que estive destacado em Torres Novas como diretor do Colégio Andrade Corvo.

 

Quais as tuas preocupações com a programação do cinquentenário?

Pelo que percebi, a comissão de que faço parte apresentará uma listagem de possíveis atividades, que depois será aprovada pelos órgãos da Escola. Já fizemos duas reuniões, temos já uma série de ideias assentes, já se optou pelo modelo: comemoração dispersa ao longo do ano, iniciando-se no fim-de-semana mais próximo da data da publicação do diploma legal que cria a Escola.

 

Qual o balanço de 36 anos de professor?

É francamente positivo. É uma alegria ir encontrando alunos, para o crescimento dos quais nós contribuímos, mesmo sem termos consciência. Com alguns dissabores, como é natural, mas não muito relevantes. Valeu a pena. Senti-me realizado a nível profissional. Tive momentos de interrogação sobre a minha aposta na filosofia no ensino secundário, mas não estou arrependido do percurso que fiz, mesmo sabendo que tive outras oportunidades. Acho que ganhei a aposta.

 

Eras presidente do Conselho Directivo do Liceu quando, em 1975, este se mudou para as instalações do Colégio La Salle. Como foi o processo?

É preciso situarmo-nos no tempo. Fui então presidente porque terei parecido representar entre os professores um certo equilíbrio. Quanto à mudança, não foi uma “ocupação”, como terá sido percebido nalguns setores da sociedade abrantina. Foi feita a pedido dos irmãos do La Salle, que tinham muito medo que o colégio fosse ocupado pelos então “retornados”, porque eles tinham já um excesso de espaço, em virtude de o aumento da rede escolar pública lhes ter retirado uma boa parte dos alunos da província. Na região de Abrantes, por exemplo, tinham já a Escola [Industrial, hoje Solano de Abreu] e o Liceu. Sobretudo os internatos dos colégios estavam a colapsar. Por outro lado, o Liceu [então na Casa Carneiro] tinha falta de instalações e, por empréstimo, estabeleceu ali as turmas do 8º ano, no ano que antecedeu a nossa mudança para lá. Ainda coabitámos algum tempo com os frades, que tinham as suas instalações, já sem os seus alunos. Venderam o mobiliário que conseguiram a pessoas da cidade. Depois desenvolveu-se, entre o Ministério e as Iniciativas de Abrantes, o processo, que demorou vários anos, de aquisição do edifício.

 

És membro do Clube de Filosofia de Abrantes (2012). O que representa para ti?

A título pessoal, é uma forma de manter uma certa atividade intelectual e disciplinar-me um pouco nas leituras. Além disso, centrou-me em novos temas, levou-me a estudar algumas coisas que me poderiam passar ao lado… Em relação às pessoas que participam, é interessante ver que é possível fazer coisas em que ninguém está interessado no que possa ganhar ou preocupado com o que possa perder. Tem um valor que eu estimo muito: todos, independentemente da profissão ou da situação económica ou da formação académica, estamos em pé de igualdade e podemos conversar, sem medo, sobre os mais variados temas.

 

O que representa ou significa, hoje, a filosofia?

A sua cotação de mercado é baixa, pela evolução social e pela própria matriz da filosofia. Era como que o conjunto de todos os saberes, mas à medida que as ciências seguiram um caminho de cada vez maior especialização, a filosofia perdeu esse estatuto social. Passou a ter funções sociais não mais nem menos importantes, apenas diferentes. É uma forma de pensar global e integradora, capaz de alargar horizontes, coisa que a ciência, pela sua especialização, não pode fazer. É, além disso, uma atividade crítica em relação ao que admitimos como óbvio, seja o que for. Isto no que respeita à sua presença social, não quanto ao seu aspecto académico. A filosofia não se compara com a ciência no rigor e na exatidão, mas a sua função na sociedade é tanto ou mais importante que a da ciência, sobretudo no manter o espírito crítico e na abertura a horizontes de possibilidade mais ricas para o ser humano.

 

Quais são as palavras que estruturam, como pilares, o teu pensamento?

Trabalho. Eu fiz a escola primária e entrei no mundo do trabalho, o que fez com que mantivesse alguns hábitos de trabalhador. Ainda hoje [apesar de aposentado], continuo a levantar-me entre as sete e as sete e um quarto, sem despertador. Frontalidade. Disponibilidade para falar e discutir com as pessoas. E curiosidade, continuo a gostar de saber, de investigar, de ler.

 

Sabes quantos livros tens? O que representa, para ti, a tua biblioteca?

Sei, cerca de 7.000. Representa um problema (riso), o da falta de espaço. A sério: e um dos meus amores. Na minha casa não havia livros, tirando os da escola, das minhas irmãs, mais velhas. Lembro-me de começar a ir à biblioteca da Gulbenkian… e sempre me ficou a nostalgia de não ter livros. Quando ia a casa de alguém, perdia-me a ver os livros que por lá estavam. Assim que pude adquirir alguns livros, fui comprando. Sempre gostei de ler outras coisas para além do que era obrigatório no estudo. Quando vou a uma livraria e não trago um livro, saio a sentir que me falta alguma coisa. Além disso, a Internet traz hoje outra biblioteca a casa.

 

Abrantes. O que significa para ti?

A maior parte da minha vida foi vivida em Abrantes. Saí de Idanha, a minha matriz inicial, com 13 anos e só lá voltava nas férias. No início, não fui bem recebido em Abrantes, por certos setores. Depois, sinto que fiz um percurso profissional sério, honesto, e que ganhei o respeito das pessoas. Também procurei naquilo que podia e me era solicitado, responder com generosidade.

Mário Pissarra

Naturalidade: Idanha-a-Nova, 1948

Fixação em Abrantes: 1973

Formação

- Teologia: 1973

- Licenciatura Filosofia: 1975

- Mestrado Filosofia: 1987

Aposentação: 2010

 

Alves Jana

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