Dom Pedro Fernandes, o novo Bispo da Diocese de Portalegre e Castelo Branco concedeu à Antena Livre e Jornal de Abrantes uma entrevista, a primeira individual. Um olhar sobre uma Diocese com uma grande diversidade e com muitos quilómetros, sobre uma realidade em que há intolerância e ódio, mas com uma mensagem para a quadra que se avizinha: Esperança!
Entrevista por Jerónimo Belo Jorge

Dom Pedro Fernandes, cinco Arcipestrados e distritos ou três partes de distritos. Disse no vídeo que fez de apresentação quando foi nomeado, que nem a Diocese conhecia o Bispo, nem o futuro Bispo conhecia ainda a Diocese. Hoje já tem um olhar sobre o território onde vai exercer o episcopado?
Tenho investido bastante em visitar, em percorrer um bocadinho aquilo que é possível, em estar presente nas reuniões que têm vindo a acontecer. Tenho começado a dar um primeiro olhar sobre esta realidade muito diversa como refere. Portanto, são de facto três mundos, não é? Que, ao mesmo tempo é um só mundo. É o mundo da Diocese de Portalegre-Castelo Branco, em muita comunhão e em muita diversidade. E isso é fantástico.
Disse há instantes (num encontro informal com jornalistas da Diocese) que quando lhe foi comunicado que o Papa teria nomeado para Bispo da Diocese, que seria difícil porque não conhecia a Diocese. Isto é também um desafio, é uma missão, como foi a sua vida de quase duas dezenas de anos fora do país?
É um desafio, com certeza, o conhecer e o estabelecer laços, o estabelecer relações. A vida toda acho que é isso. É um processo de estabelecimento de relações e de abertura à novidade e ao outro. Portanto, esta experiência de entrada na Diocese está a ser isso já. Pouco a pouco vou começando a conhecer as pessoas e elas começando a conhecer-me a mim.
Naturalmente que estou ainda na pré-história desse processo. Estamos a começar. Eu acho que, embora seja desafiante e eventualmente difícil, é, por outro lado, também uma vantagem. O não conhecer permite começar uma relação um pouco a zero, abrindo-me totalmente à novidade e àquilo que forem os dados que vão sendo fornecidos por toda a gente. Portanto, põe-me numa atitude de humilde, escuta, de abertura, de disponibilidade para aprender e, se calhar, essa humildade não seria tão evidente se eu já conhecesse. Se eu já fosse “dono disto tudo”, não conseguiria ter essa, mais facilmente não teria essa atitude.
Mas já percebeu que há muito para crescer?
Com certeza, sempre. Sempre. Há sempre muito para crescer. Às vezes é muito evidente, outras vezes são menos evidentes. Neste meu caso agora, é óbvio. É mais que evidente portanto, como eu dizia, acaba por facilitar esta atitude de disponibilidade para aprender. Isto é bom.
São quase quatro regiões distintas, porque tem também a zona raiana, que é uma coisa. Depois tem Portalegre, que é outra. Junta-se Castelo Branco e ainda uma parte de Santarém. Há aqui quatro ou cinco realidades completamente diferentes?
Sim, é isso… É uma diversidade, talvez, das dioceses com uma maior diversidade de cultura cultural. Culturas diferentes e, enfim, dentro desta comum cultura portuguesa, naturalmente, são, de facto, tradições e realidades culturais regionais diferentes, mas, como eu dizia, isso não me parece uma desvantagem, porque a unidade só se faz na diversidade. A tentação de amalgamar e de uniformizar pode ser uma tentação perigosa, porque há um atalho para fazer a paz, para criar, supostamente, reconciliação e unidade, mas, na verdade, a unidade não se faz com a amálgama, faz-se com a boa gestão de tensões e de diferenças e de diversidades portanto, a realidade diversa, na verdade, favorece a unidade, porque é uma grande oportunidade para grupos e pessoas se aceitarem como são nas suas diferenças e perceberem que a realidade do outro não é uma ameaça, mas uma oportunidade. Portanto, nesse sentido, parece-me que vivermos numa comunidade diocesana com todas estas diversidades é uma enorme oportunidade de criar comunhão e de aprender a comunicar bem.
Em realidades diocesanas mais uniformes, mais homogéneas, como a coisa já está aparentemente dada à partida, esse esforço não é tão evidente portanto, se calhar o aprendizado necessário com o esforço de aceitar o outro na diferença e de integrar, digamos, as tensões da heterogeneidade acaba por não permitir uma construção tão forte da unidade. Portanto, parece-me ótimo que sejamos diversos para podermos ter mais caminho de criação de unidade.
Ainda hoje está surpreso com a nomeação, como esteve quando foi nomeada e com a forma como lhe comunicaram a nomeação, a chamá-lo, anunciadora sem lhe dizer o que era, ou já está ciente daquilo que é e de ser Bispo desta Diocese?
Ainda me estou a habituar à ideia, ainda me estou a habituar à ideia. Há pouco tempo, como eu dizia há bocadinho aos senhores jornalistas, ainda há menos de dois meses eu não me passava pela cabeça vir a ser bispo. Portanto, é de facto uma mudança do ponto de vista pessoal, é uma mudança muito grande, não apenas geográfica, mas de estilo de vida, de tarefas. Há muita coisa diferente aqui que é preciso vir integrando.
Naturalmente que agora já estou mais conformado com esta nova realidade e sobretudo estou muito investido, estou a apontar todas as minhas baterias para este esforço de conhecimento e de aproximação, que é um caminho a fazer.
Na sua ordenação deixou uma frase que ficou e que passou, que não há imigrantes na igreja. Este aqui é um problema, mas, ao mesmo tempo um desafio e, ao mesmo tempo uma necessidade do país. Tem que ter também na igreja um olhar atento e de perceção das realidades?
A igreja, só a igreja, se assumir todas as diversidades no seu interior e for capaz de construir comunhão, porque essencialmente a nossa missão é a experiência da comunhão, a comunhão de Deus, Deus é a relação, Deus é a comunhão, e quando nós aceitamos este abraço de Jesus Cristo à nossa vida, à nossa história, à nossa humanidade, estamos, na verdade a deixarmo-nos ir com Ele, estamos a aceitar ir com Ele nesta aproximação e neste dom de salvação para toda a gente. Portanto, se a igreja não for isso, se a igreja não for um espaço de inclusão e um espaço de hospitalidade universal, deixa de ser igreja. Portanto, isto para mim, é um dado de fé, não é apenas um dado, mas também é, um dado sociológico, um dado cultural, um dado de verdadeira necessidade humana de acolher e aceitar as diferenças.
Há desafios, evidentemente, muito sérios, mas, naturalmente, quando a gente tem uma dor de cabeça, o remédio para a dor de cabeça não é cortá-la, é perceber onde é que estão as causas da dor de cabeça e, eventualmente, tratar a dor de cabeça para a cabeça ficar mais saudável. Portanto, no caso da imigração, como no caso de todos os outros casos, os atalhos são sempre muito arriscados. Como dizia, é uma necessidade em vários aspetos, económico também, social, para o país, esse é o tipo de análise em que eu não sou especialista, portanto, não desenvolvo, mas, de um ponto de vista de igreja, sim, parece-me que cristãos, que o são de forma consciente, de forma responsável, pretendendo ser fiéis ao Evangelho e a Jesus Cristo, têm que ser capazes de perceber que na igreja só há irmãos.
E, como eu dizia também, já que me citou, não há irmãos de primeira nem de segunda, são todos irmãos, ponto final, porque também não há vários pais, há só um pai, não somos enteados, somos todos filhos do mesmo Deus, e acreditamos nisso, e sabemos que não nos podemos sentar, um bocadinho como o filho pródigo, aquela parábola em que há o filho mais velho, o filho mais novo, e, de repente, há um filho contra outro filho, um filho achar que não se pode sentar à mesa com o outro e tal, e o Senhor Jesus conta esta história, que é uma história complexa e muito bonita, mas também para nos mostrar que, na verdade, só estamos sentados na mesa do Pai, se aceitarmos estar sentados na mesa dos irmãos, todos os irmãos.

Senhor Bispo, temos de ter uma igreja tolerante num mundo cada vez mais intolerante?
Claro que sim. Uma igreja capaz de ser ponte, de ser um espaço de reconciliação, um espaço de escuta, um espaço de valorização de todos. Uma igreja que seja hospital de campanha, como dizia o Papa Francisco, um lugar de sanação, um lugar de cura, onde todos se sintam bem-vindos, não uma fronteira, não uma alfândega, mas um lugar de reencontro e de aproximação. Não significa, naturalmente, aprovar todas as coisas e estar de acordo com tudo, mas significa que todas as pessoas são bem-vindas e que todas as pessoas podem e devem ser escutadas, porque todas as pessoas têm uma riqueza a trazer e também têm muito a aprender e a crescer.
Portanto, estamos todos juntos nesta barca do crescimento e da caminhada. Por isso, este jubileu que a igreja está a viver, que tem este moto de peregrinos na esperança, no fundo diz tudo. Nós estamos a caminhar para uma meta comum e somos precisamente isso, somos caminhantes, não somos gente a andar de forma errática, sem saber para onde, mas temos uma meta, temos um caminho, sendo o próprio Cristo e que é a comunhão que Deus nos oferece, se nós aceitarmos acolhê-la.
O ódio que graça nas redes sociais hoje em dia e na sociedade, é um desafio para a igreja e para os cristãos ou é um problema?
Todos os problemas são desafios. Naturalmente que o ódio é sempre um problema. Todas as formas de ódio são, eventualmente, a forma de degradação moral e de desumanização mais grave...
“Todas as formas de ódio são, eventualmente, a forma de degradação moral e de desumanização mais grave”
Mas existe, é por isso uma é uma realidade...
... Exatamente, existe, além de ser um problema, um sintoma de eventuais descompensações, desequilíbrios, enfim, desordens de caráter social, de caráter cultural, também de caráter económico, enfim, um bocadinho a todos os níveis, de forma transversal, temos que abordar este problema como um problema real e que deve ser resolvido para que as nossas sociedades e a nossa civilização se mantenham. Todas as formas de ira revelam um mal-estar e esse mal-estar tem que ser identificado. As suas causas têm que ser diagnosticadas e têm que ser abordadas com seriedade, com responsabilidade, sem cair na tentação dos atalhos fáceis e das respostas simples para problemas complexos.
E essa tentação é uma tentação real porque a gente tem pressa de resolver os nossos problemas. Ora, os nossos problemas, infelizmente, foram-se construindo ao longo de muito tempo e daí a sua complexidade portanto, se calhar também vão precisar de tempo para se desconstruírem. A Igreja tem, com certeza, um papel importante com todas as outras forças e comunidades humanas da sociedade portuguesa e ocidental, enfim, do mundo em que vivemos, para combater tudo aquilo que nos desumaniza.
Uma pergunta para resposta rápida. Este primeiro ano de Episcopado será para conhecer profundamente a Diocese?
Exatamente, será aproximar-me, será estar perto, isto será aprender e acolher todas as lições de todos os meus mestres, os padres da Diocese, os cristãos da Diocese, a população, as pessoas, ir escutando os feedbacks e escutando os sinais, ir observando, ir acolhendo, ir dialogando, ouvindo. Isto é o meu programa imediato, mais urgente.
E agora uma mensagem final, estamos a entrar no Advento para esta época do ano, para os diocesanos e também para os paroquianos do Arciprestado de Abrantes, que fica ali no Médio Tejo?
Esperança, é uma palavra forte em tempo de Advento, esperança, percebermos que, por muito mais que as coisas possam estar, efetivamente, a nossa história tem um rumo, tem alguém que vai ao leme e que, por muito fortes que pudessem ser as tempestades, elas nunca são mais fortes do que este Senhor que vai ao leme da nossa barca e não nos deixa naufragar. Então esperança, confiança, confiança em Deus, confiança uns nos outros e muita vontade de construirmos juntos, a partir de princípios fundamentais de fraternidade, de solidariedade, de proximidade de todos com todos e de vontade de crescer no amor, no fundo, e na paz e na justiça, porque são valores fundamentais do Evangelho portanto, fundamentais para aqueles que querem seguir Jesus.

Filho de um pai natural de Torres Novas e uma mãe de Góis, Pedro Fernandes nasceu numa família de igreja, em Lisboa. Em adolescente, achava a Missa uma “grande seca”. Por uns tempos deixou de ir à Missa, mas foi aí que disse ter tido “mais tempo para a busca de Deus.”
Ainda como adolescente, “quando percebi que a minha vida passaria pela igreja tinha de ser missão. O meu sonho era, na altura, Direito. Mas em cima da hora decidi que seria Teologia o caminho universitário.”
Depois entrou na congregação dos Espiritanos. Não seria a congregação que mais o fascinasse, mas acabou por entrar lá. E seguiu para estágio numa missão na Guiné-Bissau, num território sem cristãos locais. Mudou-se para Moçambique onde se “reconstruiu”. Foi missionário 17 anos fora de Portugal, 14 dos quais em África. Não é de admirar que tendo uma vida em latitudes mais quentes sinta mais o frio da beira Baixa e do Alentejo.
Tem uma reação simples quando confrontado com algumas realidades atuais. “Todas as formas de ser gente são formas de encontrar Deus. Seja que nacionalidade for, religião, sexualidade. É este o caminho da Igreja.”
“Nunca me passou pela cabeça ser Bispo. Fui chamado à Nunciatura porque queriam falar comigo. Mas nunca disseram o assunto.”
E diz que, perguntou naquele momento, “se seria uma boa escolha, pois, não conhecia a Diocese nem a Diocese me conhecia a mim.”
Agora, Dom Pedro Fernandes tem um desafio e com muitos quilómetros pelo meio. Mas, garante, esta “diversidade pode ser muito enriquecedora.”
A Diocese de Portalegre-Castelo Branco é composta por 161 paróquias, distribuídas por cinco regiões, nomeadamente: Arciprestado de Abrantes (Santarém), com 33 paróquias, Castelo Branco conta com 44, a Sertã (Castelo Branco) com 35, Ponte de Sor (Portalegre) tem 27 e Portalegre 22 paróquias.
O Papa Leão XIV nomeou a 7 de outubro, D. Pedro Fernandes, religioso Espiritano, como bispo da Diocese de Portalegre-Castelo Branco, e a sua ordenação aconteceu a 16 de novembro na Sé de Portalegre.
O novo bispo, de 56 anos de idade, era até agora presidente do Conselho de Administração da Associação de Apoio Social ‘Anima Una’ (Braga).
D. Pedro Fernandes sucede a D. Antonino Dias que estava neste cargo desde setembro de 2008 e que renunciou por chegar ao limite de idade.
JBJ