Abrantes foi elevada à categoria de cidade pela lei nº. 601, publicada no Diário do Governo de 14 de Junho de 1916. Esta promoção da antiga vila, sede de concelho e de comarca, foi um prémio pela militância republicana evidenciada pelos abrantinos.
As atividades republicanas principiaram, no concelho, no início da década de oitenta do século XIX, com a chegada de um conjunto de exemplares de O Século, trazidos por Egídio Salgueiro. Ramiro Guedes e Dias Leandro foram os primeiros a quem foi facilitada a leitura da folha revolucionária e o acesso às ideias vanguardistas provenientes da capital. Após dificuldades iniciais da propaganda, que encontrou eco sobretudo a Sul do Tejo, a primeira grande ação dos militantes republicanos locais foi um comício realizado em Abrantes em 3 de fevereiro de 1895, nos Quinchosos, a que terão assistido mais de três mil pessoas. Daqui em diante, até à implantação da República, o número de partidários cresceu de forma continuada.
Em 1906, o Partido Republicano Português tinha já uma forte implantação local, em especial no Rossio ao Sul do Tejo, em S. Miguel do Rio Torto e em Mouriscas. No ano seguinte, a realização na vila de um grande comício constituiu um claro reconhecimento desta militância. Na Praça de Touros, perante cerca de seis mil pessoas, discursaram algumas das figuras mais destacadas do republicanismo português: Bernardino Machado, António José de Almeida, Brito Camacho, José Maria Pereira, Anselmo Xavier. Ora, terá sido neste dia (3 de fevereiro de 1907) que Bernardino Machado, no comício ou no banquete que se lhe seguiu, fez a promessa que, uma vez implantada a República, Abrantes seria elevada à condição de cidade.
Com Revolução de 5 de Outubro de 1910, logo surgiram os partidários republicanos locais a exigir que se cumprisse a promessa de transformar Abrantes em cidade. Porém, a instabilidade política que desde cedo se instalou, também a nível local, com a desagregação do PRP, impediu que se obtivesse uma votação favorável na Câmara Municipal. O argumento usado por aqueles que se opunham à elevação assentava sobretudo na ideia de que a nova condição levaria à subida das contribuições.
Só em 1914, a 13 de abril, Manuel Lopes Valente Júnior, um “testa de ferro” dos Democráticos locais, em reunião do Senado Municipal, conseguiu ver aprovada a proposta de elevação de Abrantes a cidade com recurso a uma estratégia extraordinária. Numa fase inicial, a proposição começou por ser votada desfavoravelmente, porém, após uma interrupção da sessão, verificando que, em função dos presentes, a situação se lhe tornara favorável, lançou-a novamente e a mesma foi aprovada. Ainda em 1914, Bernardino Machado, enquanto deputado, apresentou a iniciativa n.º 347-E, em que propunha a elevação de Abrantes a cidade. Depois disto, desenvolveram-se ações persistentes junto do Congresso da República, nas quais o deputado abrantino João José Luís Damas assumiu papel de protagonista. A 20 de maio de 1916, a decisão acabou por ser tomada e a 14 de junho oficializada no Diário do Governo.
Depois de muitos anos a evocar o 14 de junho exclusivamente através de sessões solenes e de um ou outro espetáculo, no ano de 1966, decorridos 50 anos sobre a passagem de Abrantes a cidade, impôs-se que se efetuassem comemorações com outra dimensão e diversidade. Do programa, que se estendeu entre os anos de 1966 e 1968, fizeram parte colóquios e conferências, uma exposição fotográfica, jogos florais, espetáculos culturais e uma série de solenidades oficiais no dia do cinquentenário, que contou com a presença, entre outras entidades, do Ministro do Interior e Colónias. Também se integraram nas festividades a inauguração da piscina de Abrantes e a abertura da secção liceal na cidade. O ponto alto e de encerramento das celebrações, contudo, ocorreu, depois de vários atrasos, já no ano de 1968, a 9 de novembro, com a inauguração do monumento a D. Nuno Álvares Pereira, em que estiveram presentes Américo Tomás e alguns ministros. Para além das demoras inerentes à conclusão da obra, a célebre queda da cadeira por parte de Salazar também contribuiu para o atraso, pois obrigou a comitiva presidencial a adiar a deslocação.
Nos 75.º e 80.º aniversário do 14 de junho de 1916 voltou-se a comemorar com interessantes programas a elevação de Abrantes à categoria de cidade. Em 2016, Abrantes centenária tem o dever de homenagear os que a fizeram cidade, aqueles que, num percurso de 100 anos a construíram como cidade e, ao mesmo tempo, enquanto comunidade, de se pensar como cidade.
Por José Martinho Gaspar
Bibliografia
CAMPOS, Eduardo; CAVALHEIRO, Isabel, Abrantes – 1916 – Processo de Elevação a Cidade, Abrantes, Câmara Municipal de Abrantes, 1992.
GASPAR, José Martinho, A Primeira República em Abrantes: Evolução Política e Ação Laicizadora, Abrantes, Palha de Abrantes – Associação de Desenvolvimento Cultural, 2005.
SILVA, Joaquim Candeias, "Para a História de Abrantes Republicana – Elites e Poder (1910-1926)", in Zahara, nº. 16, Abrantes, Palha de Abrantes – Associação de Desenvolvimento Cultural, 2010.